Jorge Adelar Finatto
photo: j. finatto |
Condições atmosféricas peculiares fazem de Passo dos Ausentes uma estação climática e astronômica única no planeta. Estranhos fenômenos costumam ocorrer nesse longínquo lugar ao sul do mundo.
Esta foi uma das conclusões do relatório assinado pelo cientista norte-americano John Joseph de la Rosa, que comandou memorável expedição científica a nossa cidade em 1959.
Uma cópia do documento está arquivada na Sociedade Artística, Literária, Filosófica, Histórica, Geográfica, Astronômica, Geológica, Antropológica e Antropofágica de Passo dos Ausentes.
A expedição foi organizada pela Agência Espacial Americana (Nasa) por razões que nunca foram esclarecidas. A equipe de seis cientistas ficou hospedada durante 40 dias na pensão Ao Viajante Solitário, conforme consta dos registros daquele estabelecimento.
As coisas se passaram de maneira obscura, a começar pela forma como aqui chegaram os viajantes ianques. Vieram num enorme dirigível da força aérea dos Estados Unidos.
Num dia de maio, o objeto voador azul-marinho com uma águia branca desenhada surgiu da bruma e pousou o cesto com a tripulação do lado do coreto da Praça da Ausência, amassando um luminoso canteiro de margaridas amarelas.
Segundo se apurou na ocasião, o dirigível teria partido de um navio de guerra ancorado na costa gaúcha, na altura do Farol da Solidão.
Num dia de maio, o objeto voador azul-marinho com uma águia branca desenhada surgiu da bruma e pousou o cesto com a tripulação do lado do coreto da Praça da Ausência, amassando um luminoso canteiro de margaridas amarelas.
Segundo se apurou na ocasião, o dirigível teria partido de um navio de guerra ancorado na costa gaúcha, na altura do Farol da Solidão.
A população reuniu-se na praça para saber o que acontecia. De la Rosa apresentou suas credenciais a Don Sigofredo de Alcantis, nosso filósofo-mor, presidente da SALFHGAGAA. Pediu-lhe permissão para fazer estudos espaciais, astronômicos e atmosféricos nas cercanias da cidade.
Don Sigofredo indagou se tinham autorização do governo para entrar no espaço aéreo de Passo dos Ausentes, o qual, como devia saber o comandante, pertencia ao território brasileiro.
O americano esboçou um sorriso irônico e devolveu:
- O senhor tem certeza de que este lugar pertence ao Rio Grande do Sul e ao Brasil? Não vimos nada no mapa nem identificamos qualquer registro oficial. Viemos em paz, Don Sigofredo, não existe razão para envolver as autoridades brasileiras nisso. Estamos em missão científica. Viemos com espírito desarmado e em secreto. Não vamos levar nada, não queremos fazer nenhum mal. Pedimos sua compreensão para que evitemos formalidades desnecessárias que só atrasariam importantes descobertas para a humanidade.
- Não vou discutir o assunto da nossa invisibilidade oficial com o senhor - disse com voz grave e calma Don Sigofredo. - Já nos bastam os problemas que enfrentamos, há mais de cem anos, com a burocracia do governo, que insiste em não conceder existência jurídica a nossa aldeia. Se vêm em paz, podem ficar o tempo que quiserem. Apenas um aviso: façam por merecer a nossa hospitalidade.
Sobre os acontecimentos que sobrevieram e como aquela expedição mudou a vida da nossa esquecida cidade trataremos em breve.
Convém recordar que tramita desde o final do século XIX, nos órgãos burocráticos do Estado do Rio Grande do Sul, o processo que trata do pedido de reconhecimento de Passo dos Ausentes como cidade. Até hoje nada conseguimos.
O último parecer da comissão foi ofensivo à nossa pretensão. Afirma-se no tal documento que a Equipe de Estudos Antropológicos para Verificação da Existência de Comunidades não conseguiu sequer subir até nosso lugar de viver, ante as péssimas condições de acesso por córregos, imensos paredões de pedra e estradas de chão a pique, quase verticais em alguns trechos, culminando em densas nuvens de neblina e neve, com austeras trovoadas consequentes a raios que explodem ameaçadoramente perto dos forasteiros que se aproximam.
Os medrosos e pouco diligentes funcionários públicos não chegaram, ao menos, perto do Contraforte dos Capuchinhos. Assustaram-se com as alturas e clima hostil.
Não satisfeitos com o fracasso da incursão, puseram uma placa absurda no início da Estrada da Ausência, 90 km a leste e 100 km acima de São Francisco de Paula, escrevendo em letras vermelhas sobre fundo branco os dizeres:
Passagem temerária.
Valhacouto de fantasmas.
Habitamos entre nuvens.
Somos voláteis e invisíveis para o mundo oficial. Nenhum registro, nenhum apontamento. Não figuramos nos mapas, nos roteiros turísticos, culturais e históricos do Rio Grande do Sul. Os jovens muito cedo vão-se embora em busca de oportunidades.
Somos voláteis e invisíveis para o mundo oficial. Nenhum registro, nenhum apontamento. Não figuramos nos mapas, nos roteiros turísticos, culturais e históricos do Rio Grande do Sul. Os jovens muito cedo vão-se embora em busca de oportunidades.
Somos poucos. Sobrevivemos por pura teimosia neste fim de mundo, agarrados à memória e a uma inexplicável esperança.
Somos uma página caída no desvão do tempo, escrita à mão pelo Criador num momento de distração e enfado com as coisas tristes desse mundo.
O Senhor cultivava um instante de poesia quando desenhou estas montanhas perdidas nos Campos de Cima do Esquecimento.
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Texto revisto, publicado antes em 1º de agosto de 2011.