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sexta-feira, 23 de maio de 2014

A aventura do flamingo cor-de-rosa

Jorge Adelar Finatto
 
Flamingo. Foto: Aaron Logan. Fonte: Wikipédia
 

O flamingo pousou na popa do veleiro quando passávamos pela Ilha do Barba Negra, na Lagoa dos Patos (que, àquela hora, brilhava sob o sol amarelo e intenso da tarde de fevereiro).
 
Pousou ao lado de Filipo, o papagaio marinheiro, que estava sentado e distraído na beira do barco, os olhinhos fechados, peito estufado respirando a brisa. Filipo deu um salto com o susto, o boné de marinheirinho caiu na água. O flamingo recolheu-o com o bico.

Essas surpresas acontecem na vida de quem navega. Tínhamos saído para dar um giro com nosso veleiro Solitário, a fim de rever as belezas do Rio Guaíba e da Lagoa dos Patos, suas ilhas e pássaros. E também para ficar distante do ruído e do trânsito violento da cidade, da correria agressiva e sem sentido.

Filipo indagou do flamingo, na linguagem das aves, qual era seu nome e de onde vinha. Ele respondeu que se chamava Arquibaldo e que vinha de Amsterdam, sua cidade natal, na Holanda.

Vivia com a família num barco abandonado num dos canais daquela bela cidade. Estava em viagem de férias com os pais e irmãos quando o inesperado aconteceu.
 
Amsterdam. photo: j.finatto
 
Na altura do arquipélago dos Açores, uma tempestade dispersou a família de flamingos e arremessou Arquibaldo em outra direção, separando-o do grupo. Depois de vencer o medo e a ventania, voou muito e pegou carona num navio.
 
Acabou chegando ao sul do Brasil após vinte dias, quando o navio fundeou no porto de Rio Grande. Depois Arquibaldo saiu voando, seguindo o rumo da Lagoa dos Patos até nos encontrar. Estava exausto e atordoado com os últimos acontecimentos.

Os flamingos, em geral, têm a plumagem cor-de-rosa. Em Arquibaldo essa cor é ainda mais viva, um rosa antigo de doer nos olhos. Providenciamos uma boa alimentação e um bom descanso na cabine para nosso novo amigo.
 
Arquibaldo é um flamingo adolescente e observador, com bom humor e espírito de aventura. Sentiu-se tão bem que pretende ficar conosco até o final do verão, quando então regressará para junto de sua família na casa-barco de Amsterdam.
 
O peixinho Moisés, nosso companheiro de navegações, pulou do Guaíba para o interior do barco e ficou dentro do balde conversando com Arquibaldo.

Na Ilha das Pedras Brancas, rumamos em direção ao Parque da Harmonia e, daí, para o velho cais de Porto Alegre, sempre ouvindo a incrível história do mais novo membro da tripulação.

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Mais aventuras do veleiro Solitário em:

Navegador de barco de papel
http://ofazedordeauroras.blogspot.com/2011/08/navegador-de-barco-de-papel.html

A volta do barco de papel
http://ofazedordeauroras.blogspot.com/2010/10/volta-do-barco-de-papel.html

Texto revisto, publicado em 10.02.2012.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Ilhas do tempo

Jorge Adelar Finatto


Ilha das Pedras Brancas. photo: j.finatto


O barco passa diante da Ilha das Pedras Brancas, entre Porto Alegre e Guaíba. Um lugar tão bonito com um passado tenebroso: ali, durante a ditadura militar (1964 -1985), funcionou um presídio para presos políticos. Quem dissentia do poder, e demonstrava isso por palavras ou ações, tinha grande chance de ir para o claustro. Alguns morreram por não concordar, por dizer não. Tempos tristes. 
 
O que parecia eterno, para quem viveu na pele aquela escuridão, passou como tudo passa. Mas durou muito e deixou marcas profundas. No meu caso, e no de muitos, durou o tempo da juventude.

A democracia é o menos ruim dos regimes políticos, já se disse, pois possibilita que a sociedade participe da escolha dos que vão ter o poder nas mãos e dirigir o Estado. Sistema perfeito não existe, uma vez que o próprio ser humano longe está da perfeição (longe, muito longe). A democracia é o que temos de melhor em política.

Ditaduras, sejam elas de direita ou de esquerda, são o inferno. Por mais que seus líderes digam que querem o bem da humanidade, o que eles querem mesmo é o máximo bem para si mesmos, para os familiares, amigos e correligionários.

Nada autoriza a permanência no poder pela força bruta. O apelo à violência, seja de que lado for, é um grave erro. Gente como Mahatma Gandhi mostrou que é possível lutar sem dar um tapa e muito menos um tiro.

É outra coisa viver num lugar onde os direitos e garantias individuais e coletivos são respeitados, no qual os cidadãos têm deveres a cumprir. Ao menos existe esperança.

Poder sonhar e trabalhar por um melhor amanhã é a única coisa que justifica sair da cama todos os dias. Senão, é preferível ficar deitado.

photo: j.finatto.  Guaíba, visão da saída para a Lagoa dos Patos

Mas falemos de coisas amenas nesses dias tão quentes. Fiz essas imagens na travessia de Porto Alegre para a cidade de Guaíba a bordo do catamarã. O tal barco anda bem rápido (dura cerca de 30 minutos o percurso). Por mim até podia ser mais lento.  O mundo todo podia ser mais lento. Mas, afinal, está certo, não é embarcação de passeio, mas de transporte público.

Esse rio Guaíba é tão largo, volumoso e extenso que até parece um mar.

Olhando o mapa se vê: depois do Guaíba vem a Lagoa dos Patos, esta sim conhecida como Mar de Dentro. Um mar de água doce que se estende por quase 300 km até o Atlântico Oceano. Em longos trechos da Lagoa não se avistam as margens, só água.

Peixe, muitos peixes, vento, gaivotas e ilhas. Navios afundados também.

Gosto muito de navegar em barco e avião (sou um bicho das águas e do ar). Mas nada se compara ao sentimento de, ao final, pisar em terra firme outra vez.

Voltar para casa, reencontrar as tralhas, os objetos e recantos caseiros, mergulhar outra vez nesse território minimalista. Ainda é a melhor parte de qualquer viagem.

Somos uma pequena ilha no mar do tempo.

Da mínima ínsula miramos as estrelas, as águas, os céus, os seres.

Ir ao encontro de outras ilhas é a mais bela e difícil aventura. A verdadeira missão do navegante.

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O barco mais triste do mundo:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2012/11/basofias-o-barco-mais-triste-do-mundo.html

Brasil, árvore frondosa
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2012/10/brasil-arvore-frondosa.html

Cuba e os direitos humanos:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2010/03/cuba-e-os-direitos-humanos.html

Ilha das Pedras Brancas:
http://ilhapedrasbrancasguaiba.blogspot.com.br/p/quem-somos.html
 
Texto revisto e atualizado, publicado antes em 16 de janeiro, 2013.