domingo, 19 de janeiro de 2014

Lisbon Revisited

Jorge Adelar Finatto

Amanhece sobre o Atlântico. 19/1/2014. photo: j.finatto
 

O avião pousou às 10h40min deste domingo em Lisboa. Tão delicado foi seu pouso, tão correto o vôo de mais de dez horas desde Porto Alegre, que os passageiros aplaudiram vivamente o comandante da TAP, com grande justiça.
 
O que posso dizer? Cheguei moído e insone como sempre acontece. Vi o noticiário, algum outro programa no sistema de bordo, mas sobretudo vim escutando o fado. Sim, o fado, essa maneira tão portuguesa quanto universal de estar no mundo.
 
Lisboa revisitada, como no título do belíssimo poema de Fernando Pessoa de 1923. O frio é intenso, a umidade está no ar. Dormi à tarde no quarto de hotel. Antes fui até a banca de revistas e comprei o Público. Depois, no fim do dia, um prato de bacalhau com o vinho Mina Velha, que não sou de ferro.

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?
Não me macem, por amor de Deus!

                                     (trecho de Lisbon Revisited, Fernando Pessoa)
 
 Volto a Lisboa como quem volta a si mesmo.
 
Após umas quatro horas de sono, assisto na RTP a um programa musical com o grande nome do fado Carlos do Carmo. Ele canta canções de diversos autores, entre os quais Ary dos Santos, José Afonso, Alexandre O'Neill, Manuel de Freitas. É uma reprise de algo que aconteceu há 15, 20 anos atrás. Só papa-fina.

Alguém poderá pensar que ando em Lisboa atrás do passado, porque gosto do fado e de caminhar na beira do Tejo (tão calmo como o vejo na ampla janela do quarto neste momento). Sim, Portugal tem um passado. Mas o fado? O fado é futuro.

O compromisso dessa viagem é um evento sobre o poeta Rilke do qual vou participar na Suíça. Mas não poderia deixar de vir a Lisboa de Fernando, esse poeta absoluto e genial. E, na Espanha, tenho encontros com Ortega y Gasset e Miguel de Unamuno. São visitas que compensam muito sofrimento dessa vida.

Um encontro com a maravilha.

Anotei o nome de escritores que vou buscar nas livrarias: José Cardoso Pires, Manuel António Pina, Alexandre O'Neill, Daniel Jonas, Herberto Helder, Jorge de Sena e mais o que esqueci e vou lembrando. E tenho amigos para rever, como o António Sousa no Martinho da Arcada, lugar marcante na vida de Fernando.

O pássaro pousou. Começa o vôo.

 Mar Português

                           Fernando Pessoa

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!


Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.


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O barbeiro de Fernando Pessoa:
http://ofazedordeauroras.blogspot.pt/2010/04/o-barbeiro-de-fernando-pessoa.html