quinta-feira, 21 de julho de 2011

Contra as marés de melancolia

Jorge Adelar Finatto

ilustração: Clara Finatto


A chuva começou de madrugada e não parou mais. Da minha janela vi um barquinho de papel ancorado junto à calçada. Parecia inteiro e feliz. Movimentava-se de um lado para o outro ao sabor do vento.

Como forma de salvar esse dia que mais parecia um lamento, fui até o Sonhador - assim o batizei - e nele embarquei com o cuidado de não afundá-lo.

Com a ponta do guarda-chuva no chão, empurrei o barquinho para a correnteza. Sentado na minúscula embarcação, girei o leme para a esquerda. Lá fomos nós rua afora.

A cidade vista do barco é muito mais bonita.

As janelas surgem entre os postes e galhos das árvores, com suas luzes brilhando através das cortinas, formando um delicado mosaico colorido.

As luminárias da rua acendem.

Algumas pessoas param sob os guarda-chuvas e observam a nossa passagem. Outras andam de cabeça baixa e tão depressa que nada veem. De vez em quando um carro passa muito perto e joga água pra dentro do Sonhador. Retiro o excesso do fundo com uma caneca.

Navegante de pequeno curso, acostumado a enfrentar as marés de melancolia do inverno, não desanimo diante do mau tempo.

Invento um barco e saio a navegar.

A navegação em barco de papel pelas ruas da cidade, nos dias de chuva, é o melhor remédio contra a obscuridade e o tédio.