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segunda-feira, 7 de março de 2016

O casal do Elétrico 28

Jorge Finatto

e-book, editora Assírio & Alvim, Portugal
 
Estou levando livros na bagagem, além de revistas e jornais. Publicações que não existem no Brasil. Há uma estantezinha lilás na mansarda, em Lucerna, onde acomodei, provisoriamente, o material. Mas logo vão ter que entrar na mala e enfrentar o Atlântico, nas asas do grande pássaro metálico, durante 12 horas de voo desde Zurique.
 
Na hora de entrar na mala os livros parecem feitos não de papel mas de pedra. Mas se para mim viajar é caminhar, conhecer, conversar, fotografar, ler jornais e revistas, escutar rádios da cidade e  comprar livros, o que fazer? O que é de gosto regala a vida, diz a sabedoria do povo.
 
Mas o que eu quero dizer é outra coisa. Estava lendo o jornal Expresso, de Portugal, edição de 13 de fevereiro que trouxe de Lisboa (ler jornais velhos é uma das alegrias possíveis nesses tempo terríveis, porque as desgraças que estavam por acontecer ainda não tinham ocorrido).

Refiro-me à notícia do traslado dos restos mortais de Ofélia Queiroz (1900-1991), a eterna namorada de Fernando Pessoa (1888-1935), para o Cemitério dos Prazeres, em Lisboa, ocorrido no dia 12 de fevereiro.¹

Nesse cemitério o poeta esteve enterrado até 1985, quando o que sobrou de seu corpo foi levado para o Mosteiro dos Jerônimos, onde está ao lado de Camões e Vasco da Gama.

Em frente ao Cemitério dos Prazeres, numa parte alta da cidade, situa-se uma estação do Elétrico 28, bonde que Ofélia e Fernando seguidamente tomavam em seus namoros secretos pela cidade.

Maria da Graça Queiroz, sobrinha-neta de Ofélia, no traslado dos restos mortais
foto: Tiago Miranda

A transferência dos ossos de Ofélia foi obra da Câmara Municipal de Lisboa. Ao que se sabe, Ofelinha (como a chamava carinhosamente Fernando) foi a única namorada do poeta. Namoro de duas pessoas discretas e sensíveis, que tudo fizeram por não tornar pública a relação (essencialmente por decisão dele).

Fernando Pessoa decidiu que não poderia se casar (a sua precária condição financeira de tradutor freelancer não lhe permitia oferecer a ela uma boa condição de vida). Essa decisão (escondida num véu de indecisão) contrariou o desejo ardente de Ofelinha. Mais que tudo, a obra literária era e sempre foi a prioridade das prioridades na vida de Pessoa.

No íntimo, o poeta talvez cogitasse que o casamento o distrairia do "destino" de tornar-se o super Camões (que de fato se tornou). Provavelmente se enganou, o casamento poderia numa certa altura melhorar e prolongar sua existência, dar-lhe alguma alegria além da escrita e do álcool - que consumia deveras - , e dos 80 cigarros diários.

Fernando Pessoa

"Gosto muito, mesmo muito, da Ofelinha. Aprecio muito, muitíssimo, a sua índole e o seu caráter. Se casar não casarei senão consigo.", escreveu Fernando Pessoa. Respondeu Ofélia: "Agradeço muito os teus beijos e envio-te também muitíssimos e muitos chi-corações apertados. Da tua, sempre mesmo muito tua, Ofélia." Trechos de cartas trocadas entre eles, inscritos agora na lápide de Ofélia no Cemitério dos Prazeres.

Trocaram inúmeras cartas, bilhetes, postais, recadinhos, desenhos, palavras inventadas, que muitos anos depois foram publicados em livro. Ofélia não se conformou com o rompimento. Sofreu em sigilo e em silêncio. Só veio a casar-se três anos depois da morte dele. Não teve filhos com o marido e este, felizmente,  não colocou nenhum obstáculo para que ela guardasse as cartas e demais documentos do ex-namorado.

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
                     Fernando Pessoa (Álvaro de Campos)²

A ironia reside no fato de que, mais uma vez, os fados separam Ofelinha e Fernando. O jazigo onde os restos dela foram inumados fica próximo daquele onde estava o poeta antes de ir para os Jerônimos. Mais um desencontro.

A Câmara Municipal de Lisboa perdeu, talvez, a última oportunidade de reunir, ao menos simbolicamente, o que a vida separou. Poderia ter trasladado os restos de Ofelinha para o Mosteiro dos Jerônimos, aproximando-os, post-mortem, aos do poeta. Faz muito dó que não tenha sido assim.

Se é verdade que Pessoa foi um gênio literário, não é menos verdade que Ofélia foi uma mulher admirável em sua inteligência, discrição, sensibilidade e caráter, tendo influenciado positivamente a vida de Fernando, como comprova a extensa correspondência.

Ofelinha está para Fernando como Inês está para Pedro, no Mosteiro de Alcobaça.³ Será despropósito? São quatro personagens centrais na vida emocional de Portugal. São duas histórias de amor que não vingaram.

A reunião de Ofélia e Fernando pelo menos faria a alegria dos fantasmas dos antigos namorados. E de alguns românticos como eu que olham com ternura para aquele homem e aquela mulher singulares que sonharam um amor que nunca se realizou. O casal-que-não-foi entrou para a história dos grandes amores impossíveis. Como tantos e tantos no mundo.

O casal do Elétrico 28.
_______

¹O último desencontro entre Ofélia e Fernando Pessoa (excelente texto de Cristina Figueiredo):
 http://expresso.sapo.pt/sociedade/2016-02-14-O-ultimo-desencontro-entre-Ofelia-e-Fernando-Pessoa 

²Poesia completa de Álvaro de Campos, p. 225. Fernando Pessoa, Companhia das Letras, São Paulo, 2007.

³Pedro e Inês:
http://www.mosteiroalcobaca.pt/pt/index.php?s=white&pid=235
 

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Manuel Alegre, Pastéis de Belém, Elétrico 28

Jorge Adelar Finatto
 
Vista do Mosteiro dos Jerônimos, Lisboa, 23.01.2014. photo: j.finatto
 
Auschwitz

Olhar vazio esqueletos em pé
mortos-vivos caminhavam sem rumo.
E a quem lhes falava de Deus
eles apontavam a chaminé:
fumo.
                                 Manuel Alegre

Além de gastar o Elétrico 28 (bonde) andando pelas colinas e a baixa de Lisboa, tirei o dia de ontem, que estava azul e ensolarado, não obstante frio, para ir a Belém, esse bairro arejado e alegre.
 
Acho um lugar suave, com muitas opções culturais, como o Mosteiro dos Jerônimos e o Centro Cultural de Belém, bom de estar e ficar, na beira do Tejo, de onde partiam as caravelas ao Oceano a descobrir mundos. Bebi a costumeira taça de café com leite e comi dois pastéis doces que tanto me apetecem nos Pastéis de Belém.
 
Visitei amigos nesses dias portugueses, ouvi mais do que falei (porque nisso, pra mim, reside a graça), perambulei. Fui a livrarias em busca dos livros que fazem parte de uma lista de autores portugueses que não encontro no Brasil. Um nome, contudo, não tinha anotado: Manuel Alegre (1936).
 
Uma descoberta dessas vale uma viagem. Na terceira livraria do dia, na Praça do Rossio, descobri o livro Nada está Escrito, de Manuel Alegre (Publicações Dom Quixote, 2012, Lisboa). Tinha ouvido falar que se tratava de um político português, do Partido Socialista, que viveu anos no exílio durante a ditadura e que também era escritor, poeta.
 
Peguei o volume na estante e folheei-o com desconfiança. Políticos poetas são coisa rara. Li alguns poemas e vi que estava diante de uma exceção. Continuei a leitura no quarto de hotel, li quase todo.
 
Manuel Alegre é um senhor poeta. Não tenho qualquer idéia de seus feitos ou mal-feitos na política. Mas nesta obra constatei que tem muitos acertos como fazedor de versos. Pelo que escreve, deve ser um ser humano com um rico coração que leva para a política o melhor de si.
 
Encontrar uma pessoa sensível e que faz poemas para os semelhantes é um clarão na alma.
 
Daqui a algumas horas parto de Portugal, vou para longe, rumo ao norte. Vou feliz, com tantas coisas boas vividas nos últimos dias.