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quarta-feira, 1 de abril de 2015

A bruma de que somos feitos

Jorge Adelar Finatto
 
photo: jfinatto
 

Nestes tempos de Quaresma, existem muitas razões para ter esperança na vida futura, já que é esta a mensagem que está inscrita, a sangue, na trajetória luminosa de Cristo.
 
A Ressurreição, no domingo de Páscoa, é a culminância do sentimento cristão, e universal, de uma vida melhor, infinitamente melhor, do que essa que vivemos no fundão chamado mundo.
 
Quando fui juiz na cidade de Rio Grande, lá nos idos de 1991, escolhi esta passagem bíblica, que muito me encanta e faz refletir, para inscrever em cerâmica: Porque sois uma bruma que aparece por um pouco de tempo e depois desaparece. Trata-se do trecho 4:14 da belíssima Carta de Tiago, irmão de Jesus. Após, fui a um ateliê perto do foro e fiz a encomenda.
 
O trabalho foi feito com talento por uma artista local, cujo nome está escrito na parte inferior à direita (meus óculos de fundo de garrafa não conseguem decifrar). Levei a peça para o meu gabinete.
 
O tempo passou como voam os pássaros.

Jurisdicionei depois em outras comarcas. Esta bela obra de arte (e do espírito) sempre me acompanhou e acompanha até hoje. Compartilho seu conteúdo.
 

domingo, 20 de abril de 2014

Ressuscita-me

Jorge Adelar Finatto
 
photo: j.finatto


Não vivi até o fim o meu bocado terrestre.              
Sobre a Terra
não vivi o meu bocado de amor.

(...)

Ressuscita-me,
nem que seja só porque te esperava

como um poeta,
repelindo o absurdo quotidiano!

Ressuscita-me,
nem que seja só por isso!
                   
Ressuscita-me!
Quero viver até o fim o que me cabe!*

                                                Maiakóvski


É como se ele tivesse entrado num túnel e saído dele cinqüenta anos depois. E é também como se entre a entrada e a saída do túnel não tivesse acontecido nada de mágico e impressionante, a não ser trabalhar, trabalhar, trabalhar, trabalhar.

Um longo tempo de recolhimento, suor e silêncio.
 
Sempre ouviu dizer que tinha de ser assim. Agora ele se olha no espelho e vê os cabelos crespos em tom cinza. O olhar azul meio opaco. A boca como um risco inexpressivo.

Parece um boneco de madeira que teve na infância, um bonifrate com os olhos fixos num lugar vazio em frente e um sorriso sem graça.

Claro que os retratos na parede, com risos e olhos que já partiram, fazem com que ele exagere nos traços e nas tintas.
 
Durar não é viver. Viver não é só durar. É ser um pouco feliz a cada dia. É pedir perdão antes que os laços se cortem, para não haver remorsos depois. Antes que as pessoas desapareçam de nossas vidas e só restem retratos. E o olhar parado do bonifrate entre os livros na estante.
 
De modo que é preciso ter uma nova oportunidade, muitas, para acertar a vida e o sentimento. Ver a casa cheia de gente na Manhã de Páscoa. Ouvir a conversa e o riso das mulheres na cozinha e na sala. Beber uma taça de vinho olhando pela janela.
 
Ficar em paz no Domingo de Páscoa, vendo a névoa se espreguiçar lá fora.

E, no coração, essa vaga esperança de Ressurreição, como a do Cristo.

Porque só uma vida é muito pouco.

____________

*O poeta-operário. Antologia poética. Vladímir Maiakóvski. pp. 154-156. Tradução e estudo biográfico de Emílio Carrera Guerra. Cìrculo do Livro S.A., São Paulo, 1991.