Jorge Adelar Finatto
photo: j.finatto |
Era uma dessas tardes que antecedem o outono em Passo dos Ausentes. O ar outonal nos deixa mais sensíveis diante das mudanças nas cores e das primeiras quedas de folhas. As seivas reúnem e concentram a força da natureza, evitando qualquer desperdício. Em dias assim, é uma sorte estar vivo.
Enquanto atravessava a Praça da Ausência, encontrei uma boneca de trapo caída no chão. Era feita de velhos panos coloridos. Os olhos eram dois botões verdes.
Os cabelos, fios de lã repartidos em duas tranças. A boca, um pequeno risco vermelho e sorria.
Apesar de perdida, a boneca não parecia muito triste. Apenas carregava um toque de melancolia no semblante, que desapareceu quando a levantei. Acomodei-a no banco da praça, embaixo de um salgueiro, ao lado do lago.
Fui embora, não sem alguma dor. No início quis levá-la comigo, dar-lhe novo lar. Mas desisti ao pensar que quem a perdeu (uma criança tudo leva a crer) voltaria para buscá-la. Seria de cortar o coração não encontrar a sua boneca de trapo.
Viver tem dessas coisas. Nem sempre podemos ter o que nos encanta. Nem sempre, como no outono, a vida se exalta em delicadas mutações. Num dia, o céu azul nos ilumina, habitado aqui e ali por nuvens cor-de-rosa, o coração bate harmonioso. Noutro, pensamentos escuros, pesados, se espalham e a gente só imagina besteira.
A boneca de trapo me lembrou coisas que perdi na vida. Perdi e me conformei. Porque nada, absolutamente nada, nos pertence verdadeiramente nesse mundo.
Tudo que temos é emprestado. Um dia teremos de devolver. Nada é nosso.
Salvo, talvez, o meigo sorriso de uma boneca de trapo.
Salvo, talvez, o meigo sorriso de uma boneca de trapo.
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Boneca artesanal da região serrana do Rio Grande do Sul. Texto revisto, publicado em 16 de março de 2011.