sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Je reste au lit

                                                          Jorge Finatto

photo: jfinatto

 
EU FICO NA CAMA. Sair do quarto pra quê? À força de invencível banzo, não traço nem a primeira das duas linhas que queria escrever. Imagino um banco, entre pinheiros, na praça da imaginação, à espera do amanhecer do texto. Nada.
 
Palavras são caramelos. Palavras são farelos de uma coisa maior. Mas hoje eu não quero falar disso. Estou com banzo. Quero ficar quieto.

Não que haja leitores esperando, nem há nem. Ler? Existem para todos coisas mais urgentes.

Essa mania de escrever e não ser lido é coisa de louco. Coisa que se presta a um estudo. Será feito por algum arqueólogo da internet - ou psicanalista do ciberespaço - daqui a séculos. Enquanto isso, eu fico na cama.

Palavras também cansam. Que fiquem todas dormindo no dicionário. Je reste au lit. O fato é que não vejo graça em sair do quarto.
 
Preciso de um tempo de silêncio. É bom ficar calado nesse mundo cheio de bocas parlantes.

Resta um imenso vazio diante das notícias da Terra de Vera Cruz. Não dá pra ficar mais de cinco minutos escutando o noticiário, sem ter vontade de vomitar. Prefiro não ler jornal, revista, nem ver tv. Melhor ficar na cama, lendo um livro ou ouvindo música. De vez em quando uma passada até a janela, mas sem demorar ali.

Pensar em fugir não adianta. Pra onde? Celulares, câmaras secretas, satélites, drones e outros invasores são capazes de localizar o evadido em poucos segundos. Além disso, não pretendo sair da cama. Amanhã é outro dia, certo. Por hoje, contudo, a realidade pode passar muito bem sem mim.

Como tarda a claridade quando a escuridão é tamanha!