Jorge Finatto
photo: JFinatto. Museu Hermann Hesse, Montagnola, jan. 2020. |
Descrevi e louvei muitas vezes tudo isso. Gastei centenas de folhas de bom papel de pintura, muitos tubos de tinta, para provar minha veneração pelas velhas casas e telhados de madeira, muros de jardim e bosque de castanheiros, montanhas próximas e distantes, com minhas aquarelas ou bico de pena. Plantei aqui muitas árvores e arbustos, um pequeno bambuzal na fímbria do bosque, e muitas flores. (Quarenta anos de Montagnola, Hermann Hesse)¹
Em janeiro último viajei a Lugano, no cantão (estado) do Ticino, sul da Suíça (a Suíça italiana), com o objetivo principal de conhecer o lugar onde viveu e escreveu Hermann Hesse (1877-1962). O Museu Hermann Hesse, na pequena Montagnola, abriga o acervo deste que é, segundo dizem, o autor de língua alemã mais lido no mundo. Nascido em Calw, Alemanha, tornou-se cidadão suíço em 1924. Em 1946 recebeu o Prêmio Nobel de Literatura.
photo. J.Finatto. Museu Hermann Hesse, jan. 2020 |
Montagnola é um lugarejo pertencente ao município de Collina D´Oro, situado nas cercanias de Lugano. Chega-se lá de ônibus (que tomei junto à estação ferroviária de Lugano) após cerca de 15 minutos de íngreme subida, vislumbrando-se, do alto, o belo Lago Lugano e suas montanhas na fronteira com a Itália.
O museu funciona na Torre Camuzzi, ao lado da Casa Camuzzi onde o poeta e escritor viveu em um apartamento entre 1919 e 1931. Foi viver em Montagnola "em busca de refúgio", sendo na época um homem "na flor da idade".²
Depois, mudou-se para a Casa Rossa, perto dali, que lhe foi oferecida por um mecenas como morada permanente - vitalícia - até sua morte, em 1962. Ambas as propriedades onde ele viveu são privadas, não podendo ser visitadas.
photo do escritor. Museu Hermann Hesse, Montagnola. |
A vista desde Montagnola é belíssima. O lago, as montanhas, as videiras, jardins, quintais e demais elementos enchem os olhos. Pacifista e naturalista, Hesse ficou também conhecido pelas longas caminhadas que costumava fazer. Diz-se que, às vezes, pelado.
Antes de chegar ao museu existe um café literário com livros dele, mas não só, e com publicações de suas pinturas. O cappuccino é ótimo, assim como os doces e sanduíches. A senhora que atende no local é muito querida.
Conhecer Hesse pintor (aquarelista principalmente) foi pra mim uma grata descoberta. Não conhecia este seu lado. As pinturas são muito bonitas.
Entrando no museu encontram-se objetos que marcaram sua vida e obra, como uma velha máquina de escrever, edições originais de seus livros, móveis, fotografias, quadros, correspondências, chapéus, aquarelas, etc. Alguns instrumentos lembram que ele se dedicou ao cultivo de plantas, árvores, flores, hortaliças. Foi um jardineiro amoroso do ofício.
Existe, além disso, um pequeno cinema no porão que mostra um documentário sobre a vida do escritor em italiano, alemão, inglês e francês, com audioguides (em alemão e italiano). No museu se acha um amplo programa de leituras, palestras e concertos que ocorrem ao longo do ano.
máquina de escrever de H. Hesse. photo: JFinatto |
A trilha "Nos rastros de Hermann Hesse" passa por locais em que o escritor gostava de estar e contemplar a paisagem de Collina d'Oro. O ponto de chegada da caminhada de cerca de meia hora é o túmulo de Hesse no cemitério de Montagnola-Gentilino.
O autor de O Jogo das Contas de Vidro diz muito à alma de pessoas sensíveis. Não li toda a sua obra, mas o que li foi suficiente pra saber que se trata de um grande escritor, alguém preocupado com a vida. Teve sua obra proibida na Alemanha nazista. Sua voz aproxima nosso coração das coisas simples e profundas, fugindo dos estereótipos, da mercantilização e da coisificação do ser humano. É um escritor que escolhe sempre o silêncio em meio à gritaria, a contemplação, o mergulho em viagens espirituais. Para isso contribuiu seu conhecimento de culturas como as da Índia e China.
photo: JFinatto. jan, 2020. Museu H. Hesse |
Em tempos tão duros, ler Hermann Hesse, travar conhecimento com seu pensamento e com a beleza de seus escritos, é um antídoto contra a mediocridade, a grosseria, o autoritarismo, a estupidez e a falta de esperança.
Agradeço a Regina Bucher, diretora da Fondazione Hermann Hesse e do Museu, pela gentileza da atenciosa recepção.
objetos do escritor. photo: JFinatto, jan, 2020 |
Tanto quanto me lembro, sempre encarei a função do escritor sobretudo como memória, como não-esquecimento, como preservação do efêmero na palavra, como retorno do passado através de apelos e carinhosa descrição. (idem, ibidem) ³
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1, 2, 3 Pequenas Alegrias. Hermann Hesse. págs. 5 e 305. Tradução: Lya Luft. Editora Record, Rio de Janeiro, 1977.