sexta-feira, 30 de novembro de 2018

O réquiem pode esperar

Jorge Finatto
 
photo: jfinatto
 

ESTAVA me preparando pra subir na esteira quando tocou o telefone. Do outro lado um indivíduo disse que gostaria de falar com o senhor Jorge.
 
- Pois não, sou eu.
- Boa tarde, tudo bem com o senhor?
- Tudo bem.
- Estou ligando pra falar sobre cremação. Temos um plano pra lhe oferecer.
- Como?
- Sim, temos ótimas condições. Eu vou lhe apresentar...
- Não, não, há um engano.
- O senhor não é o Jorge?
- Sou, mas não tenho a menor intenção de morrer, ao menos não por agora. O dia está lindo. Olhe esse céu azul de primavera de Porto Alegre. Dá ganas de viver pra sempre. Ninguém pensa em morrer. Quem foi que lhe deu meu telefone?
- Creio que um conhecido seu indicou.
- Muy amigo... Mas, de fato, não pretendo pensar em morte agora.
- Não, claro, não é isso, mas é uma coisa que pode acontecer, é bom se prevenir, deixar tudo organizado.
- Não, não, eu agradeço. O que eu quero hoje, neste instante, é fazer a minha ginástica, andar na esteira, relaxar, suar, durante uma hora ou mais. Eu quero respirar. Só isso, nada menos do que isso. Nada de antecipar a preocupação com a morte.
- Ah, sim, claro. Está bem. Conversamos em outra ocasião. Desejo-lhe muita saúde, muito obrigado. 

- É isso o que eu mais quero. Tudo de bom. Boa tarde.