Mostrando postagens com marcador leitura. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador leitura. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Enquanto picam livros, o sabiá canta

Jorge Finatto

brinco-de-princesa no quintal. foto: j.finatto
 
 
ALEGRIA s.f. Sentimento de felicidade, de contentamento, satisfação, júbilo.*

Todo ESCREVER é uma viagem em busca da alegria. Alegria de estar vivo num país e num mundo tão tristes, tão desconcertantes quanto belos. Se escreve apesar de tudo e contra tudo que maltrata a sensibilidade, se escreve para celebrar a vida e suas mil faces. Palavras são registros, são retratos, são pinturas, são esboços, são rascunhos, são delírios e são sonhos que vêm de algo maior, que nos envolve e alimenta.

Às vezes me reconheço nas coisas que escrevo. Em outras ocasiões, é um estranho que está naquelas linhas. Gosto quando isto acontece: é como se me libertasse do labirinto pessoal. Tenho a sensação de que escapei do calabouço. Nesse sentido é como se a escrita levasse a um campo aberto pronto para ser trilhado em direção ao infinito.

Li que a coleção "Obras Completas do Círculo de Lectores", da Espanha, será reduzida a papel picado, porque não há mais interessados em comprar e ler os livros. Afirma-se na notícia que existem cada vez menos leitores de livros impressos. Não se vendem mais livros de porta em porta em nenhuma parte. As enciclopédias estão digitalizadas. O mundo digital avança, mudam-se hábitos. A leitura já não seria uma prioridade, prefere-se o mundo das imagens e sons das telas.

A coleção a ser picada é de autores clássicos universais, um tesouro da criação humana.

Diz, também, a tal notícia que não haveria interessados em ficar com os livros (ao invés de picá-los). Será? Talvez não na Europa, mas aqui no Brasil há tantas escolas espalhadas pelo imenso território com carência de livros. O mesmo em países de língua espanhola nos interiores profundos do continente. Aposto que mesmo na Espanha encontrariam quem quisesse receber os livros. Mas aí, decerto vão dizer, há o custo do correio, do transporte, etc, etc. É uma pena.

É preciso talvez dizer aos autores da ideia picadora que livros não foram feitos pra virar confete, mas para os olhos, corações e mentes das pessoas.

No Brasil, em sentido contrário, é cada vez maior o número de clubes de leitura formados por pessoas que se reúnem uma vez por mês, em média, para conversar sobre um livro que todos leram. São eventos que brotam espontaneamente nas comunidades. Participei uma vez de um desses encontros num café e gostei. Isso sem falar que encontrar pessoas de carne e osso nesses tempos de face, instagram e whatsapp é quase uma quimera.

Enquanto isso, no quintal, o sabiá me dá de presente o seu canto. Ele tem ninho nas minhas árvores. Não cobro aluguel. Acho que é mais do que um, pois a cantoria é grande de manhã e à tarde. Ele não exige pagamento pra cantar, não reclama direitos de autor. Não reivindica presença de público.

Canta porque quer, quando quer, o "meu" sabiá. Existe ainda alegria no mundo.

Enquanto picam livros, o sabiá canta no quintal, criam-se clubes de leitura. Resistência.

________

* Dicionário Aurélio. Terceira acepção da palavra alegria. Editora Nova Fronteira, 1999.
 

quinta-feira, 10 de julho de 2014

A terceira margem do rio

Jorge Adelar Finatto
 
Guimarães Rosa
 
 
Escrevo hoje com apenas um compromisso que me dei. Umas poucas linhas. Pra dizer aos improváveis leitores desta página que habita a nuvem virtual o seguinte: não deixem de ler, antes de morrer, o pequeno conto A terceira margem do rio, do mineiro João Guimarães Rosa (1908-1967).
 
Só isso. Façam este bem a si próprios. Não percam tempo lendo coisas menores, imposições do mercado editorial. Por que fariam isso se a vida é tão breve e a alegria tão escassa? Mergulhem no alumbramento rosiano. Um mistério da língua portuguesa. Façam a leitura que Camões, Machado de Assis, Fernando Pessoa e Lima Barreto não puderam fazer por desencontros do calendário. Dêem-se essa oportunidade. Encantem-se.
 
Nem vou invocar o Grande sertão: veredas (1956), monumento literário, estético e lingüístico. (Por isso, difícil, exigente, extenso, quase uma impossibilidade para a maioria dos leitores de agora tão afogados na falta de tempo.) Mas não existe glória sem luta, diz o surrado brocardo. Ler este romance é uma das boas coisas que um vivente pode fazer nesta existência. Nem que seja depois da aposentadoria.

A terceira margem do rio mostra a força e o tamanho do gênio do escritor em poucas linhas. Está no livro  Primeiras Estórias (1962). Chego a ter pena, sinceramente, de quem não sabe português.
 
Como diplomata de carreira, o senhor Rosa salvou muitos judeus da morte nas mãos sanguinárias de Hitler e seus agentes, quando ocupava o posto de  Cônsul Adjunto em Hamburgo. Através da concessão de vistos, promoveu, junto com a mulher Aracy (Ara), funcionária do consulado, a salvação de muitas vidas, protegendo a fuga dos perseguidos.

Aracy Guimarães Rosa
 
Em 1985, o governo de Israel concedeu ao casal a mais alta distinção atribuída aos que, com risco da própria vida, deram amparo e evitaram a morte de judeus durante a 2ª Guerra Mundial. O nome de ambos foi dado a um bosque nas cercanias de Jerusalém.
 

terça-feira, 13 de maio de 2014

Leitura no programa Tons & Letras

Jorge Adelar Finatto
 
 
No próximo sábado, 17/5, terei uma participação no programa Tons & Letras da Rádio FM Cultura de Porto Alegre (107.7). O programa começa às 11h e nele lerei o poema Presença, no momento dedicado ao Instituto Estadual do Livro do Rio Grande do Sul.
 
O texto faz parte do meu livro O Fazedor de Auroras que o IEL publicou em 1990. Apresentado pelo jornalista e escritor Luís Dill, Tons & Letras transita entre música e literatura. 
 

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Conversa de amigo

Jorge Adelar Finatto


photo: j.finatto


O leitor do blog é companheiro de viagem. Conversamos na jornada como o vento conversa com os pinheiros e a Lua na tarde de Passo dos Ausentes.
 
A idéia de que a internet cria um ambiente de convivência e troca é estimulante. Um lugar onde todos podem ser ao mesmo tempo leitores e escritores. Emissores e receptores de mensagens, sem a atitude meramente passiva que assumimos diante de um jornal, revista, meios eletrônicos, etc.
 
Por outro lado, ninguém deve ficar tempo demais diante do computador, esquecendo a vida real em nossa volta. Isso nos levaria ao isolamento e sua multidão de fantasmas. Somos gente e necessitamos da presença física do outro.
 
Precisamos de convívio, encontro real com pessoas reais.
 
Não sei quantas pessoas estão do outro lado da tela, mas isso não importa. A qualidade de quem lê é que faz a diferença.
 
As manifestações dos leitores são escassas, é verdade, quase não existem. Mas às vezes tenho a impressão de ver um leve movimento na cortina da janela virtual, anunciando que alguém parou e, por um breve instante, deu uma olhada para o interior da sala.
 
A grande arte, a arte superior e civilizada é, sem dúvida, a leitura. Ler é traço de humanismo, empatia, generosidade, curiosidade. Eu me considero, antes de tudo, um leitor, um leitor esforçado que encontra recompensa no seu esforço. Além de estar sempre com um livro por perto, tenho descoberto bons blogues, com riqueza de informação, análise, imagens e criação literária.

A palavra bem escrita tem espaço garantido no coração do leitor, independente do meio onde esteja veiculada.
 
Ler e escrever são a prova acabada de que o ser humano foi criado para ser convivente nessa curta passagem existencial.
 
O filósofo Jean-Paul Sarte (1905-1980) disse: "o inferno são os outros", com sabedoria. É este outro, algumas vezes tão diferente e outras tão parecido conosco, quem, afinal, no ato de nos "infernizar", nos completa, nos dá sentido, nos faz querer ser melhores do que somos.
 
Esta prosa me lembra um poema de Robert Frost (1874-1963), grande poeta norte-americano que viveu perto da natureza e que apreendeu, como poucos, a poesia transcendente que dimana das coisas simples. É com os versos de Frost que digo até logo, desejando uma boa sexta-feira a todos.
 
Hora de conversar*
  
Quando da estrada um amigo me chama
Refreia seu cavalo e anda a passo
Não fico parado e olho à volta
Para todas as colinas que não capinei
E grito de onde estou: “O que é?”
Não, não como se houvesse um tempo para conversar.
Enterro minha enxada na terra fofa
A lâmina para cima a cinco pés de altura
E ando: vou até o muro de pedra
Para uma conversa de amigo.
 
_______________
 
*Poemas Escolhidos. Robert Frost. Editora Lidador Ltda. Rio de Janeiro, 1969. Tradução de Marisa Murray.