Um dos mais belos poemas que já li é
A propósito disto, do poeta russo Vladímir Maiakóvski (1893-1930). Ele lutou ao lado dos bolcheviques na Revolução Russa de 1917 e depois, na sua área, que era escrever poemas, pintar cartazes (no Museu da Revolução, contavam-se mais de três mil pintados por ele e cerca de mil frases poéticas para o
front²), realizar recitais viajando por todo o país, debater, falar sobre a função da arte, compor peças teatrais, colaborar na imprensa.
Maiakóvski fez o que pôde para a realização dos ideais revolucionários. Acreditava no novo homem que haveria de nascer com a revolução, sem vis mesquinharias, avesso à brutal exploração, solidário, aberto ao amor e ao diálogo, disposto a construir uma sociedade e um planeta bons para todos.
Empenhou-se com aguda sensibilidade de grande poeta. Foi um caso raro de escritor que trabalhou em função de uma causa, sem contudo diminuir o valor de seu fazer literário. Conseguiu ser um imenso poeta, mesmo vivendo os difíceis dias da revolução, nela empregando seus esforços. Mas entre a crueza da política e a alma sensível havia contradições que com o tempo se tornariam maiores e insuperáveis. Disse ele uma ocasião:
Não sei como se juntaram em minha cabeça os versos e a revolução.3
Um dia cansou, exaurido na luta, nas incompreensões, na pequenez e na sordidez de muitos dos que queriam, pretensamente, mudar a realidade (afinal, digo eu, os camaradas tomaram o poder e, uma vez nele, aparelharam o Estado, eliminaram a oposição e revelaram-se, com o tempo, iguais a tantos tiranos em qualquer parte do mundo. Veja-se o longo período de Stalin).
Ouçamos Emílio Carrera Guerra em seu excelente
A vida de Maiakóvski:
Não bastavam o gênio, as provas de sinceridade, o trabalho árduo e honesto do poeta, para que seus inimigos fossem aplacados, para que seus adversários o deixassem em paz. Ao contrário, seu êxito crescente fazia com que mais se encarniçassem contra ele. 4
Maiakóvski não encontrou o novo mundo por que tanto ansiou e lutou, não teve tempo para viver e amar em paz. Deixou para o futuro o encontro definitivo com sua amada Lila Brik.
Com uma única bala no velho revólver, o poeta disparou contra o coração na noite de 14 de abril de 1930. Terminava, assim, num ato de desespero, antes de completar 37 anos, a vida de um dos maiores poetas que a humanidade conheceu.
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photo: j.finatto |
Em 12 de abril, escreveu a carta de despedida. Nela estava transcrita, em meio ao texto, parte do poema no qual trabalhava,
À plena voz:
A todos!... Eu morro, não culpeis disso a ninguém. E nada de falatórios. O defunto tinha horror a isso.
Mamãe, minhas irmãs, meus camaradas, perdoem-me, isto não é um meio (não o aconselho a ninguém), mas para mim não há outra saída. Lili, ama-me. (...)
Como se diz
"O incidente está encerrado"
O barco do amor
quebrou-se contra a vida quotidiana
Estou quite com a vida
Inútil passar em revista
as dores
as desgraças
e os erros recíprocos.
Sede felizes! 5
Sete anos antes, em 1923, Maiakóvski escreveu este que é um dos poemas absolutos que nos legou,
A propósito disto. Neste texto, imagina o futuro limpo de
podridões,
no qual se encontra
o laboratório das ressurreições humanas. Nesse ambiente, o poeta vê
o calmo químico, a vasta fronte franzida em meio à experiência.
E acrescenta: num livro, intitulado
Toda a Terra, o cientista procura um nome, alguém a quem ressuscitar no século XX. Ao encontrar o poeta nas páginas do livro, o químico fica em dúvida e acaba desistindo dele,
busquemos matéria mais interessante!
Diz, por sua vez, o poeta:
Será então minha vez de gritar
daqui mesmo,
desta página de hoje:
"Pára, não folheeis mais!
É a mim que deves ressuscitar!"
6
Para um cristão, o cientista seria Deus, tratando de ressuscitar os mortos no fim do atual sistema de coisas. A esperança do poeta, por outro lado, é a mesma de todo mundo (ou pelo menos de muitos): voltar à vida, tornar a viver, sair do fundo da caverna escura (tal como Lázaro*) para uma vida plena, sem tantos sofrimentos, doenças, problemas, angústias, tragédias e o inevitável abismo da morte.
Prossegue Maiakóvski, na sua/nossa esperança:
Vosso Trigésimo Século
ultrapassará o enxame
de mil nadas,
que dilaceravam o coração.
Então,
de todo amor não terminado
seremos pagos
em inumeráveis noites de estrelas.
Ressuscita-me,
nem que seja só porque te esperava
como um poeta,
repelindo o absurdo quotidiano!
Ressuscita-me,
nem que seja só por isso!
Ressuscita-me!
Quero viver até o fim o que me cabe! 7