segunda-feira, 29 de abril de 2019

Pontos de luz

Jorge Finatto

Entardecer em Montreux, Suíça. photo: jfinatto
 

A POESIA existe principalmente fora dos livros de versos. Conseguir reter um pouco desse mistério em forma de poema é tarefa para poucos.
 
Pra quem escreve, o olhar do outro é fundamental. Só o outro pode reconhecer sentido no texto. Sem ele, não tem razão de ser. É como deixar um livro aberto sobre a mesa do quintal, exposto aos ventos, à chuva, ao sol. Os olhos do pássaro, da borboleta e da formiga jamais poderão desvelar o que está escrito. 
 
A descoberta da arte nos torna mais humanos. Os museus, salas de concerto e bibliotecas guardam fragmentos do belo. Mas a maior parte da beleza está em outros lugares, à espera de ser desvendada pela sensibilidade de cada um.

O belo é para sentir e para pensar. O belo pode ser muitas coisas. Às vezes tudo misturado. Só não pode ser a favor da morte e da desintegração do ser humano. Obras de arte são pontos de luz soltos na escuridão cósmica.
 

terça-feira, 23 de abril de 2019

A pele cor-de-rosa da chuva

Jorge Finatto

photo: jfinatto
 

O SER HUMANO tem direito constitucional de andar nas nuvens. Sentimental algaravia. Ah, um dia livre por aí. O que ela mais gosta.

As horas difíceis, cotidianas, que a vida tem. Poucos momentos de gozo. Vida bonsai. Um ermo. Os medos, medo, medo. Um dia se deu conta de que. Olhou no espelho, estranhou. Quem é essa? Deus!
 
Vivia no austero, secreto, precavido jeito.

Desde que ele se foi, enfim, aquela madrugada. (Por que tinha de ser justo de madrugada?) Adeus, adeuses. Casa abandonada. Depois só quireras, uns fanicos de dar dó, cacos quebrados. Ninguém mais.
 
Dia feriado, sábado, domingo, aniversário: nenhum fio de luz embaixo da porta, escuridão completa. Ninguém vem, ninguém nunca nada. Coração solitário de bandeja, corvos vorazes.
 
Noites em claro, sede. Janela aberta sobre a cidade e neons. Vazio. Invoca rezas antigas, banho de madrugada, copo dágua gelada, dorme diante da tv. Quem é essa?
 
A solidão de batom pintada na cara. Ocos dias de viver. Malezas.
 
Ah, bem-vindo, vento de maio. Chuva. Na chuva sente-se protegida, agasalhada. Sai a divagar caminhos molhados. Os longes habitam a sua alma. Peixes coloridos soltos no ar. Sopram presságios no voo de algodão das gaivotas. O rio escorrendo lentamente.
 
Moças saltam das janelas, invadem as ruas como ela. Anêmonas. Saias flutuam. Sombrinhas navegam no vento.
 
A esperança. Ninguém pode viver sem, nem ela nem. Se solitude fosse abraço.

Instantes migalhas de vida são. Breves eternidades. Venham os dias.

O amanhecer sobre nuvens. Venha esse novo amor de onde vier. 

Felicidade é relâmpago. Farândola no coração.

A pele cor-de-rosa da chuva.

Outono, outonos.
 
______
Texto revisto, publicado em 9 de abril, 2010.
 

segunda-feira, 22 de abril de 2019

Renascer de cinzas

Jorge Finatto
 
Igreja de Canela, 21.04.2019. photo: jfinatto
 
 
Que a RESSURREIÇÃO DE CRISTO inspire o renascimento de muitos.

Que volte a chover na terra calcinada dos nossos corações.
 

sábado, 13 de abril de 2019

A mulher do retrato

Jorge Finatto

photo da photo: jfinatto


E, NO ENTANTO, ela está ali, viva, na pequena moldura sobre a mesa do vendedor de quinquilharias na feira de antigüidades da Plaza Constitución em Montevideo. Encontrei-a na sexta-feira, 13/02/2015.

A brisa, um pouco fria, conversava com as folhas dos plátanos. O sol calmo espiava entre os galhos.
 
Viva e bela, lá está a jovem mulher desconhecida de 120 anos atrás. O semblante revela paz. Ou pelo menos resignação. Viver lhe traz algum encanto? Será feliz? Que sonhos acalentará?

Ela vestiu o seu vestido mais bonito pra tirar a fotografia. Sabia talvez que a imagem ia atravessar o tempo e oferecer-se a olhos curiosos no futuro distante.

O retrato caiu do toucador no casarão abandonado da Ciudad Vieja. Muitos anos se passaram na sombra. Um dia entrou num baú e foi levado ao antiquário. Depois à praça onde agora brilham, sob os plátanos, os olhos da bela mulher.
 
O que é uma fotografia? Um instante que não se deixa apagar. 

Um fragmento de vida congelado no tempo.

Uma face de mulher que não se perdeu graças ao registro.
 
Pequena eternidade de luz.
 
_______
 
Texto revisto, publicado em 14 fev. 2015.
 

domingo, 7 de abril de 2019

A casa do fantasma

Jorge Finatto

photo: jfinatto. Bologna

E POR FALAR em fantasmas, a coleção deles não para de aumentar. Alguns já partiram há muito tempo (o tempo humano é farelo, ele sabe). Outros ainda estão por aqui mas não foram mais vistos.

Os habitantes do oblívio. Ele mesmo é um tipo de fantasma. Um que caminha entre luz e sombra, dia e noite, preto e branco, visível e invisível.

As ruas são as mesmas mas os antigos moradores viajaram a outros planetas. Ele ficou olhando o fim de tarde desenhado numa aquarela.

Abril chegou com seu discreto frio, seus silêncios, suas quaresmeiras em flor. 

Esta vida é uma aquarela. No início as cores e formas são vívidas e transparentes. Depois vão se apagando como um entardecer.

A beleza habita a casa do efêmero, ele pensa.

E ousa sentir.

segunda-feira, 1 de abril de 2019

A hora da pacificação

Jorge Finatto

Pôr do sol no Guaíba. photo: jfinatto

 
O NÚMERO de desempregados divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística é terrível.* Até o final de fevereiro último, somavam 13 milhões e 100 mil as pessoas sem trabalho. Além delas, existem 4 milhões e 900 mil desalentados, isto é, aqueles que desistiram de procurar emprego por desânimo, depressão, cansaço diante do quadro que se apresenta.

Enquanto isso, não se vislumbram ações capazes de levar o país a uma pacificação. Não houve diminuição do enfrentamento politico, distensão que deveria ter se seguido às eleições para a reconstrução da confiança, da economia e dos empregos.  Pelo contrário, o bate-boca aumentou, e quando a gritaria prevalece, acaba ocupando o lugar destinado ao diálogo,  às ideias, projetos, boas práticas. A inteligência se calou no Brasil nos últimos meses.

O país continua carente de bom senso, razoabilidade, espírito público. As coisas simplesmente não andam. Parece que não existe amanhã nestes tempos de ódio. Estamos vivendo uma espécie de velório da esperança.

É preciso que os homens e mulheres que ocupam cargos públicos saibam que não estão aí para ser servidos, mas para servir a sociedade. É o óbvio que deve ser reiterado todos os dias no Brasil.

Todo mundo sabe o que necessita ser feito para melhorar a vida da população. O país não pode esperar mais. Humildade, respeito ao semelhante, paz, trabalho, justiça, empatia são algumas palavras que podem ajudar muito nesta hora. Não se brinca com a vida de mais de 200 milhões de pessoas.

_________
*Desemprego
https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/03/29/desemprego-sobe-para-124percent-em-fevereiro-diz-ibge.ghtml