quarta-feira, 5 de março de 2014

O rumor do córrego

Jorge Adelar Finatto

Montreux. Lago Léman. photo: j.finatto
 

O seixo sobre a escrivaninha é cor de mel maduro e tem pequenas crateras na superfície. Elas lembram o território redondo e branco da Lua cheia. 
 
Antes de vir parar aqui, o seixo habitou outros lugares. Deve ter rolado por séculos no fundo das águas.

Provavelmente veio ao mundo antes das ondas do Dilúvio. A menos que seja o minúsculo fragmento pós-diluviano de uma estrela que despencou e esfriou.

O seixo faz parte agora do resumido mundo do escritório. Mergulhado nessas águas de estantes de livros e objetos que foram se chegando com o passar dos anos (enquanto eu próprio passava).

Cada objeto tem uma origem e uma história para contar, assim feito o seixo.

Como viajantes numa estação de trem.

Às vezes levo o seixo ao ouvido para escutar o rumor distante do córrego da minha infância na sua antiga viagem rumo do mar.

Ouço então a passagem do vento sobre as águas e o vôo das folhas quando se soltam dos ramos.

O escasso seixo é um pedaço do infinito universo que veio ao mundo para rolar e passar (tal como eu).

Uma singela lembrança do eterno.