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sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Os livros e a diáspora

Jorge Finatto
 
 

Fui buscar na LIVRARIA TRAÇA dois livros do escritor maranhense Josué Montello (1917-2006). Nunca tinha lido nada dele. Há muitos anos um amigo me falou bem desse autor e agora resolvi ir atrás. A Traça situa-se na Av. Osvaldo Aranha, bairro Bom Fim, em Porto Alegre, tendo em frente algumas das velhas e altas palmeiras que acompanham o longo traçado daquela avenida. Entre elas, no passado, corriam os bondes. 
 
Perguntei ao livreiro se o negócio de livros sofreu muito os efeitos da crise (econômica, política e ética) que assola o país. Ele respondeu que livrarias fecharam ali no Bom Fim (antigo bairro judeu) nos últimos tempos. Observou, ainda, que aumentou o número de pessoas que vendem suas bibliotecas. A Traça trabalha com novos e usados.
 
O incremento da venda de bibliotecas caseiras está relacionado a mudanças de endereço por razões econômicas. As pessoas vendem imóveis maiores para ir morar em menores. Não podem levar junto seus livros. As mudanças ocorrem dentro da própria cidade, em geral. Mas cresceu o número dos que vão embora do Brasil. 
 
Há uma espécie de diáspora brasileira que vem aumentando a cada ano. Muita gente busca fugir da crise e da falta de perspectivas, situação a que chegamos após muitos anos de má gestão e intensa corrupção. Quem parte para outros países não pode levar livros. Doloroso. Os livros são patrimônio espiritual dos indivíduos e dizem muito sobre quem eles são e como foram se construindo no tempo.

Os livros que adquiri na Traça são Diário da Tarde (1987) e Diário do Entardecer(1991), páginas de diários de Josué Montello. Comecei a leitura do Diário da Tarde e fiquei bastante impressionado com a qualidade do texto (conteúdo e forma) e com a ampla e generosa visão do escritor em relação à vida e à cultura.

Estou deixando para logo mais a leitura de Os Tambores de São Luís (1985), romance que trata da escravidão no Brasil, desde o cativeiro até após a abolição, que localizei em outro sebo. Dizem que é sua obra-prima. Não encontrei seus livros em edições recentes. Lembro que o autor foi bastante conhecido em vida, sendo inclusive membro da Academia Brasileira de Letras (o que, para muitos, é coisa importante; eu acho bastante duvidoso).
 
Um detalhe, um regalo. Diário da Tarde contém uma dedicatória. Não consegui entender direito o que está escrito, a letra é difícil e meus olhos não ajudam muito. Supus que era um livro dado de presente a alguém. Pesquisando informes sobre o escritor no Wikipédia, encontrei por acaso um seu autógrafo. Para minha surpresa, constatei que a dedicatória foi assinada pelo próprio autor.

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Os três livros mencionados são da Editora Nova Fronteira.
 

sábado, 18 de abril de 2015

Nos cafés da vida

Jorge Adelar Finatto

Cômoda onde Fernando Pessoa escreveu muitos de seus poemas.
Casa Fernando Pessoa, Lisboa. photo: jfinatto, 2011.
 
O que é uma boa mesa num café? É o contrário das mesas de muitos cafés parisienses no Quartier Latin e Saint-Germain-des-Prés. Algumas são tão próximas que nos obrigam a ouvir os pensamentos do vivente ao lado.

Os cafés de Paris podem até ter mais charme do que os nossos, mas aqui temos mais espaço. Eu troco o glamour por um pouco de intimidade.

Um bom café deve ter qualidade no produto e bom atendimento. A receita é simples. Além disso, acho importante que a mesa tenha claridade suficiente para leitura e que, da janela, se possa olhar a rua.  Mas, se não for bem assim, não tem problema. O que importa é estar no café.
  
Só uma coisa neste vasto mundo me tira a graça: gente grossa. Não suporto, por exemplo, esses que falam alto ao celular, como se todos em volta tivessem de compartilhar seus assuntos. Por favor, não me contem, eu não quero saber. Não gritem no meu ouvido, tenham piedade!
 
Em certo café, que visito quando estou em Porto Alegre, há um garçom intelectual. Como eu invariavelmente estou com um livro sobre a mesa, ele invariavelmente pergunta o que estou lendo. Eu aprecio o interesse.

Na semana passada, respondi que estava lendo Nada de novo no front, do escritor alemão naturalizado norte-americano Erich Maria Remarque (1898-1970). Uma obra clássica sobre a brutalidade da guerra e a desumanização, ambientada na 1ª Guerra Mundial.

Ele aprovou a minha leitura. Em seguida perguntou se eu tinha lido As benevolentes, do americano Jonathan Littell (n. 1967), cuja narrativa se passa na 2ª Guerra Mundial. O autor escreve em francês e conquistou com esse livro o importante  Prêmio Goncourt.
 
Respondi que não conhecia. Ele afirmou que isso era uma falha de leitura, eu precisava sanar. Pegou um guardanapo, retirou a caneta do avental e escreveu o título da obra, o nome do autor e me entregou resoluto. Eu elogiei a sua bonita caligrafia. De lambuja, ele falou que tinha lido o tal  livro em francês mesmo, porque considera o inglês (para o qual foi traduzido) uma língua vulgar.
 
- Se nada neste mundo é perfeito, por que a língua de Shakespeare seria?... - perguntou meu coração lacunoso.

a cômoda de FP

Ele foi atender outras pessoas. Eu fiquei ali com aquela anotação na minha frente, apontando a lacuna literária que carrego desde tempos imemoriais. Imagine se o culto garçom soubesse que há bibliotecas e hemerotecas inteiras que nunca li nem lerei.
 
Não li sequer todas as revistas em quadrinhos do Recruta Zero, uma das minhas devoções, nem as do Hagar, o horrível. Li, porém, muitas aventuras do misterioso Fantasma, o espírito que anda. Mas isso faz tanto tempo que parece que foi em outra vida.

Ao contrário dos que dizem que leram tudo - ou quase tudo - (e eu acredito sempre no que me dizem), eu li só e apenas uma parte.

Li, profissionalmente, livros de Direito a maior parte do tempo. Nas horas que restavam, sempre escassas, li menos do que gostaria. Hoje dedico-me a leituras não profissionais. O que me valeu foi que, antes de mergulhar no Direito, li muito outros livros. Isso ajudou bastante.

Sou grato às sugestões literárias. Elas são oportunidades de abrir caminhos. Mas estou um pouco crescidinho para me meter em leituras somente para preencher lacunas. Elas, aliás, são tantas que eu nunca conseguiria saná-las no tempo que me resta.

Só uma obrigação me move quando vou ler um livro: o prazer da leitura.

Não esqueço, a propósito, algo que alguém uma vez disse ou escreveu: feliz foi Marcel Proust que, para escrever e para estar em dia com a literatura universal, não precisou ler os sete volumes de Em busca do tempo perdido escritos por ... Marcel Proust.

Uma heresia, claro...