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quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

A vida é bela

Jorge Adelar Finatto

Paulo Corrêa Lopes. Bico de pena de Alice Soares
 
                             
                              Conselho
 
                              Quando fores pela estrada
                              anda com cuidado
                              para não matares as formigas.
 
                              A vida é tão bonita! 
                                                        Paulo Corrêa Lopes ¹
 

Às vezes penso que não existem mais poetas no Brasil. (Poetas são essas estranhas criaturas que traduzem em palavras a poesia existente no mundo, desde a criação.) O fato é que não encontro bons livros de poemas nas livrarias. Pode ser que haja príncipes poetas escrevendo a essa hora para as gavetas, sem ocasião nem lugar para divulgar seus versos. Quem sabe? A poesia, afinal, não desapareceu.
 
Contudo, os tempos não estão para escrever versos. A realidade é dura, triste. Estamos partidos, estilhaçados em meio à dor, mergulhados em preocupação e medo. Basta olhar o Brasil e seu grande desastre ético, econômico e político. Os efeitos mal começam a ser percebidos. A esculhambação é tamanha que, em 2016, haverá talvez imensas saudades de 2015.

A violência estrutural da sociedade brasileira começa lá no alto, no último andar, e desce escada abaixo. O que será amanhã? Ninguém sabe.  O certo é que não será um tempo de amenidades e, provavelmente, não será de justiça. De qualquer forma, a vida é sempre bela e viver é uma imposição que não admite adiamentos nem recusas.

Mas eu estava então no escritório à procura de algum poeta do passado. Vasculhava as estantes onde estão os livros que me acompanham desde a adolescência. Aquele tempo em que eu era muito só e muito pobre. De vez em quando conseguia juntar uns trocados para comprar um livro em alfarrabista.
 
                               Na luz daquela estrela
 
                               Deus estava na luz daquela estrela,
                               nas águas daquele rio,
                               no sonho daquela flor,
                               e tu passaste tão distraído
                               que não viste Deus.
                                                                       PCL ² 
 
Aí encontrei a Obra Poética de Paulo Corrêa Lopes (1898-1957), gaúcho natural de Itaqui (fronteira com Argentina). Reli alguns dos seus poemas, nos quais fluem esmero, economia verbal, simplicidade, engenho e poder de comunicação. Lidos hoje, não causam desconforto ao leitor, quer pela forma, quer pelo conteúdo.

O estranhamento está na impressionante atualidade de sua linguagem. Dele diz Guilhermino Cesar na apresentação: Submeteu-se a uma disciplina de poupança, podando e repodando os seus versos, para livrá-los do acidental e do acessório. ³

As composições de PCL não sofrem o desgaste do tempo. Atravessam os anos com a mesma frescura de quando foram escritas. Talvez porque digam muito de perto e de forma certeira ao nosso coração. Nelas não vemos pose de poeta, nem saltos ornamentais, nem vontade incontida de agradar aos ouvidos do distinto público. O seu canto nasce de profundas e cálidas fontes, aflorando em água límpida e vitalizante.
 
                              Vida
 
                              Não sei nada da vida
                              canto apenas a hora que foge.
                              Deve haver qualquer coisa de pássaro e de rio
                              no meu destino...
                                                                PCL 4
                                  
Ninguém fala mais nele, nenhum jornal ou revista põe atenção nos seus poemas. É pena. Estão privando muita gente da arte dele e de muitos outros. Os poetas, entre eles Paulo Corrêa Lopes, são guardiões de uma poesia essencial que teima - felizmente para nós - em não morrer.


________
 
¹,²,³, 4 Obra poética. Paulo Corrêa Lopes. Instituto Estadual do Livro, Porto Alegre, 1958. A bela capa é obra do artista Glênio Bianchetti.
 

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Os esquecidos e os lembrados

Jorge Adelar Finatto

photo: j.finatto.Aparados da Serra, RS.
 


Integração
 
tem dias que me sinto
tão em tudo
que me parece que não vou morrer
construo-me a cada instante
no próprio ar que respiro
me pouso longe
tranqüilo
onde no olho do pássaro
o vôo já está completo
onde no pouso do pássaro
fica vibrando a distância
que a ave traz inserida
ao repentino do vôo
duma iminente partida
são as pequenas coisas
que fazem a nossa vida
eu vivo o que deslimito *
 
                            Heitor Saldanha
 
Nunca entendi bem os motivos que fazem de certos escritores ilustres desconhecidos. Embora tenham um bom trabalho literário, permanecem na sombra. Ao passo que outros, com pouco ou nenhum mérito, são convidados para almoçar todos os dias no Olimpo dos deuses das letras e  ocupam generosos espaços nos meios de comunicação.
 
O livro, na minha visão, é um objeto espiritual, antes de qualquer coisa. Quanta ingenuidade! Na visão dominante, livro é negócio como outro qualquer. Existe uma luta de facão, no mundo editorial, para impor autores no mercado. Tudo ou quase tudo passa pelo departamento comercial.

O que se vê é que não há mais divulgação desinteressada em jornais, revistas e meios eletrônicos. Tudo tem um preço. A começar pela colocação de livros nas livrarias, onde cada setor tem um valor, dependendo da localização. Provavelmente existem exceções, poucas.

Torna-se cada vez mais comum ver detentores de espaços escritos/falados/televisados, na imprensa, propagandearem, sem nenhum pudor, suas próprias produções, de forma insistente. Apropriam-se dos veículos de informação como se fossem algo pessoal e não social.

Claro que há escritores de qualidade que conseguem furar o bloqueio. Mas o sistema em vigor é altamente excludente e privilegia a homogeneidade autoral em vez da diversidade. Trocam-se os nomes dos escrevinhadores, mas o texto é sempre o mesmo.

A tal ponto a mesmice se instalou, que dificilmente veremos surgir, hoje ou no futuro próximo, no Brasil, um escritor com a sintaxe genial de João Guimarães Rosa. O ambiente é totalmente desfavorável à literatura enquanto invenção.
 
Criadores de talento, em todas as áreas, amargam na úmbria do anonimato. O fenômeno não começou agora. Mas atualmente está muito pior do que há 20 anos.

O tempo, às vezes, faz justiça e resgata alguém que ficou esquecido na álgida furna. Mas o tempo é um senhor muito velho, de longas barbas de nuvem, e tem lá seus muitos lapsos de memória.

O que restou de democrático, no fim das contas, é a internet, pelo menos enquanto não vier um marco civil criando uma internet ruim para pessoas comuns como nós e uma outra, rápida e poderosa, para os grandes meios de comunicação.

Na literatura, como na vida, uma atitude é essencial: persistência. Um escritor apenas razoável talvez não se torne um escritor brilhante. Mas, com trabalho e coragem para evoluir, poderá melhorar muito o resultado de sua escrita.

O que importa é não publicar qualquer coisa, e não desistir nunca. Além disso, temos a eternidade pela frente, porque ninguém se importa mesmo.

Não falo essas coisas por mim, que já fui inscrito no livro-tombo do esquecimento em vida, escritor interiorano, cronista de temas pastorais, correspondente do fim do mundo. Falo por autores de real importância que não têm voz. E pelos leitores que não os conhecerão.

Lembro alguns deles, aqui do Rio Grande do Sul, mas existem outros: Jorge Jobim, pai de Tom Jobim; Heitor Saldanha, Henrique do Valle e Paulo Corrêa Lopes, todos excelentes poetas, todos encobertos pela névoa da indiferença.

Se você leu ao menos um deles, parabéns. Se não, procure descobrir em algum livro-velheiro, pois não são editados há muitos e muitos anos (já falei sobre cada um deles no blog). O que escreveram é da melhor qualidade, mas nenhum escritor, crítico, professor ou jornalista se ocupa deles (com raríssimas exceções). Por quê? Eu me pergunto e não sei a resposta. Simplesmente não estão entre os eleitos. Habitam a caverna dos esquecidos.

Alimento meu coração de leitor e minhas estantes com o que vasculho nos sebos. E que as musas não nos abandonem nunca.

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*A Hora Evarista, Heitor Saldanha. Instituto Estadual do Livro, Porto Alegre, 1974. p. 18.
 
Escrever em língua portuguesa:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2013/05/escrever-na-lingua-portuguesa.html