terça-feira, 29 de maio de 2018

Ocaso de um coração

Jorge Finatto
 
 

Nem sempre o Destino precisa de um esforço violento para abalar de um modo irremediável, brutal e brusco o frágil coração humano (...)
                                  Stefan Zweig, Ocaso de um coração, p. 7


NA INCURSÃO que fiz, dias atrás, em busca de livros de Stefan Zweig, descobri alguns na Livraria Traça, em Porto Alegre. Abordei um pouco dessa aventura no post de 02 de maio passado.
 
Entre os livros que encontrei, está Ocaso de um coração, que contém duas novelas, a primeira com este título e a outra intitulada Uma noite fantástica. Trata-se de preciosidade publicada em 1941 por Irmãos Pongetti Editores, Rio de Janeiro, com tradução de Aurélio Pinheiro.
 
Quando compro um livro muito antigo, folheio-o à cata de marcas: um autógrafo, uma data, um lugar, uma frase assinalada, um comentário à margem. Neste há uma dedicatória manuscrita em caneta tinteiro azul, nos seguintes termos:
 
A minha querida noiva com muito amor e afeto.
Janeiro de 1944
(assinatura ilegível)
 
Nesta arqueologia bibliográfica, deparo-me com este gesto de ternura. Um gesto simples mas cheio de significado para quem dá e para quem recebe. Terão os noivos se casado? Em que cidade viveram? Tiveram filhos? Continuaram juntos, separaram-se? Terão sido mais felizes que infelizes?
 
Mas aqui está o livro. O que sobrou foi esta dedicatória no portal da obra de Zweig. Cálida, amorosa, que escavo 74 anos depois.
 
Só os livros são capazes de aprisionar e eternizar histórias de amor.
 

segunda-feira, 21 de maio de 2018

Homem e mulher ao pôr do sol

Jorge Finatto

Montreux, Lago Genebra, Suíça. photo: jfinatto
 

HOMEM E MULHER ao pôr do sol. Um quadro de inverno. Fim de tarde no Lago Genebra, em Montreux, Suíça.
 
Estão perto um do outro. Mas distantes espiritualmente. Cada um mergulhado em seus pensamentos. Olham para o intangível. Parecem querer decifrar o sentido do tempo que se esvai. Veem o sol declinar no interior das águas ao pé dos Alpes.

A despedida de mais um dia. Na solidão da própria transitoriedade, homem e mulher contemplam o mistério do tempo. Pequenos e impotentes diante de tamanha força.

São personagens de uma aquarela. Um quadro em progresso cujo fim ninguém, exceto Deus, sabe qual será.

Na aquarela, na fotografia, esse momento único, à beira do lago, poderá ser salvo do oblívio. Só na memória da imagem o instante sobreviverá.

Diante do pôr do sol, o alumbramento do casal é o mesmo sentido pela primeira mulher e primeiro homem.
 
Testemunhas silenciosas de um dia que se despede em pura beleza.
 
Para encontrar a aurora, terão de dar-se as mãos outra vez e caminhar juntos.
  

quinta-feira, 17 de maio de 2018

A procura da maravilha

Jorge Finatto

photo: jfinatto
 
 
O problema é quando se espera mais da PALAVRA ESCRITA do que ela pode dar. E ela não pode dar tudo. Como em todas as coisas, há um limite. Nenhum livro substitui a vida. Falo por mim, mas acho que vale pra muitos.
 
Quantas vezes embarquei em viagens literárias com expectativas muito além, buscando fugir pra sempre do real. Sim, escapar da maldita realidade. Quantas vezes me enganei nessa procura. Não se pode viver dentro de livros. Há sempre o doloroso retorno.

Como acontece em qualquer arte, a literatura pode encantar e nos levar a algo próximo da ilha da maravilha. E é bom que assim seja. Quantas vezes me salvei viajando em páginas impressas.

Não fosse a arte, muitos enlouqueceriam. Se é verdade que nada substitui o real, por outro lado não se pode viver sem algum tipo de evasão. É necessário dosar: um pouco lá, outro cá. Pra não perder o juízo, a saúde, a capacidade de se emocionar.
 

sexta-feira, 11 de maio de 2018

Você está na Bahia, meu rei. Seja feliz

Jorge Finatto
 
foto: jfinatto

 
dedico a Jaya, Ed, Evana, Júlia, Marcos e toda equipe do Hotel Maitei; a Iago, que conheci no Café da Santa, e a Moisés, à beira-mar na Praia do Mucugê. Todos em Arraial da Ajuda

Alguns dias na BAHIA e sinto que o espírito da boa terra me contamina. Que espírito é esse? A baianidade. Certa capacidade de contemplar a vida, descomplicá-la e vivê-la ao mesmo tempo.
 
A sonhada harmonia entre o pensar, o sentir e o agir. Um filosofar diante do mar. Bebendo água de coco ao amparo de guarda-sol, palmeiras e amendoeiras. Ou num quintal à sombra de lindas folhas de bananeira.
 
Nos semblantes e no jeito baiano de falar - calmo, bem humorado, atencioso e espirituoso - a mensagem é:
 
- Você está na Bahia, meu rei. Seja feliz!
 
Se as coisas não são bem da maneira que se queria ou imaginava, a gente vai sendo feliz com o que tem, do jeito que dá. O mais deixa pra lá. A Bahia tem razão e nos faz bem.
 
foto: jfinatto
 
Aqui em Porto Seguro, onde Cabral chegou com suas caravelas pra desgraça dos povos nativos, o cara até pode ser infeliz, mas tem que se esforçar pra isso. Se se permitir tocar pelos ares locais, encontrará alegria no simples - e milagroso - respirar.

Vista Hotel Maitei. foto: jfinatto
  
A verdadeira mais-valia dessa vida é a gentileza, a cordialidade. A pequena felicidade das coisas simples. E os baianos parecem saber disso ao nos tratarem bem.

Hotel Maitei. foto: jfinatto

De ninguém a vida é fácil. Há que viver - não obstante e apesar de tudo.

A Bahia dá um colo aos corações aflitos e desencantados. E nos mostra que a vida é muito maior do que supõe qualquer vã filosofia.
 
foto: jfinatto

quarta-feira, 2 de maio de 2018

Stefan Zweig e a gratidão aos livros

Jorge Finatto
 
escritor Stefan Zweig
 
Um dia completo é raro. Por isso, quem o passou inteiro e quem o pode passar, tem o dever de ser grato e manifestar sua gratidão.
        Stefan Zweig, Encontros com homens, livros e países, ensaio Inolvidável acontecimento, p. 101

QUEM GOSTA DE LIVROS acaba por descobrir caminhos que levam a formar uma pequena biblioteca pessoal. Nos exemplares adquiridos ao longo do tempo encontramos abrigo e beleza. Os livros que cultivamos dizem muito sobre quem somos.
 
Muitos livros vêm até nós de forma casual. É quando não se tem em vista nenhum autor específico. Lançamos a rede ao acaso em visitas a livrarias. Muitos dos que me são mais caros eu não teria encontrado sem a pesquisa em sebos (no Brasil) e alfarrabistas (Portugal).
 
Nos últimos dias, andava atrás de um ensaio do escritor austríaco Stefan Zweig (1881 - 1942) intitulado Despedida de Rilke. Não sabia em que livro encontrar. Pesquisei na internet. Só que as novas edições de suas obras, no Brasil, estão ligadas à ficção.
 
No mercado de sebos, escolhi seis livros nos quais poderia achar o texto. Telefonei para a Livraria Traça, que trabalha com novos e usados, e fiz reserva. No dia seguinte fui buscá-los. À noite, em casa, procurei pelo tal ensaio. Não só encontrei o que procurava, como encontrei outros cinco livros importantes de Zweig. São edições muito antigas.
 
Encontros com homens, livros e Países contém coisas preciosas. Além do ensaio sobre Rilke, há outras maravilhas como Gratidão aos Livros, Pequena Viagem ao Brasil, Arthur Rimbaud, Dante, Goethe, Mahler, entre tantos. É uma edição de 1939, da Editora Guanabara, do Rio de Janeiro, tradução de Milton Araújo.
 
 
Embora velho, o livro está conservado e andou por mais de um sebo pelas marcas que traz. Me impressiona o fato de que a maior parte das folhas ainda está grudada, necessitando espátula para abri-las. Evidência de que não foi lido. Um achado com 80 anos de idade.
 
Zweig é um autor imenso, dos mais importantes, criativos e lúcidos do século XX. De origem judaica, suicidou-se juntamente com a mulher Lotte na cidade de Petrópolis, Estado do Rio, onde vivia exilado. Estava deprimido com a Segunda Guerra Mundial e as barbaridades do nazismo.
 
Como escritor, ultrapassou o tempo que lhe foi dado viver. Tem mensagens essenciais para leitores de todas as épocas.