Helena Jobim
Helena Jobim |
Vim para Porto Alegre a convite, participar da Feira do Livro. E aqui estou, nessa terra generosa, terra de meu pai Jorge Jobim. Tornei-me filha de três cidades, e assim posso dizer que sou carioca, belo-horizontina (recebi o título com muita honra) e porto-alegrense. A Feira é uma beleza. Ocupa toda a Praça da Alfândega, onde grandes barracas brancas oferecem livros de todo o tipo. Algumas têm o teto transparente, e é muito bonito ver os jacarandás floridos enfeitarem os tetos com suas pétalas roxas.
Assim que cheguei à Feira, deparei-me com uma grande estátua do General Osório, montado a cavalo. No pedestal de pedra, uma inscrição gravada. Chamou-me muito a atenção. Tomei nota: "O dia mais feliz da minha vida seria aquele em que me dessem a notícia de que os povos civilizados comemorariam a sua confraternização queimando seus arsenais". Vem a calhar para a hora difícil que vivemos.
A Feira é uma grande festa invadindo a praça, com suas árvores antigas, gigantescas, de troncos retorcidos pelo tempo, verdadeiras esculturas. Essa paisagem, de largas sombras e bancos para descanso, sugere a leitura. O ambiente combina com reflexão e cultura. Sabiás e pardais cantam ocultos nas copas de folhagens espessas, como um pano de fundo construído de sons que nos remetem a dias felizes.
Esta é a 47ª Feira do Livro de Porto Alegre. Chegou o sol e o calor e havia tanta gente pelos largos corredores entre as barracas, que tínhamos de andar devagar, parando a cada instante para examinar os livros. Vontade de comprar tudo. Os homenageados desse evento estavam bem representados em bronze, lado a lado. Carlos Drummond de Andrade, de pé, segurando um livro como se o lesse. E bem junto dele, sentado, Mario Quintana olhava-o, absorto. Tirei retratos junto às estátuas desses dois grandes poetas, pensando em colocar depois as fotos enfeitando meu escritório.
E como foi proveitoso estar com artistas mexicanos! Escritores, roteiristas, editores. Chegavam em comitivas alegres e coloridas, representando o seu país, também homenageado este ano na Feira. Sons e imagens que nos aproximam definitivamente.
Depois de muito andar, palestrar (junto com meu amigo e poeta Jorge Finatto) e autografar "Recados da Lua", atravessei a rua e sentei-me no pequeno Café Antigo, dos anos 30, perfeitamente conservado. E nesse ambiente calmo, de frente para a praça, me dei conta de como é importante para mim o ofício de escrever.
Lá estava eu, testemunha deste importante evento, de lápis e papel na mão, registrando minhas impressões. Dentro de mim vibrava a grande festa do artista, irmanada com as pessoas mais simples que observava folheando livros de todos os tipos, de todas as cores. Poucas vezes na vida um escritor pode saborear tão de perto a avidez do leitor pelo livro, a ponto de me fazer esperançosa em prosseguir na luta com o papel em branco, na busca da sensibilidade, na entrega total aos meus leitores. E me lembro de novo de Cecília Meireles: "Eu canto porque o instante existe/ e a minha vida está completa./ Não sou alegre nem sou triste:/ sou poeta".
Quero hoje agradecer especialmente aos e-mails de Clara e Fred. Suas palavras ajudaram-me também a acreditar na palavra escrita, como forma de melhorar o mundo.
Para se pensar:
A vida era por um momento.
Não era dada. Era emprestada.
Tudo é testamento.
Antonio Carlos Jobim
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Helena Jobim é escritora, autora, entre outros, de Antonio Carlos Jobim, Um Homem Iluminado (Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1996), Trilogia do Assombro (Editora Nova Fronteira, 1998) e Pressinto os Anjos que Me Perseguem (Editora Record, Rio de Janeiro, 2000).
Esta crônica foi escrita por Helena durante sua passagem por Porto Alegre, na Feira do Livro de 2001. Agradeço à querida escritora e amiga a autorização para publicação do texto.
Fotos: 1) Helena Jobim. Fonte: livro Antonio Carlos Jobim, Um Homem Iluminado. 2) Helena e o irmão Tom Jobim em 1945. Fonte: site oficial do Instituto Antonio Carlos Jobim: http://www.jobim.org/
Texto publicado no blog em 11 de abril, 2011.