O fundo do mar da memória é seu habitat.
O prisioneiro do escafandro mora no ermo de si mesmo.
O tempo da ampulheta não conta mais.
O que importa é o limiar do amanhecer na cortina do quarto de hospital.
A última estrela tarda na janela.
Anêmonas silenciosas cercam-no no estranho lugar.
Paralisado dentro do próprio corpo, para sempre afastado da vida comum, impossibilitado de dizer qualquer coisa, proibido de mexer-se, ausente do abraço, do carinho, do amor físico.
A existência é uma paisagem que observa do interior do olho esquerdo.
É indesculpável ter vida e já não poder viver.
Como explicar esse absurdo ao coração que bate teimosamente?
Talvez fosse mais fácil aceitar passivamente a chegada da morte.
Mas não.
O prisioneiro agarra-se a cada frêmito de vida que resta no corpo.
As borboletas passeiam leves na penumbra com suas asas coloridas.
Haverá neste cosmo alguma chave para destrancar meu escafandro?*
Jean-Dominique Bauby nasceu em Paris em 23 de abril de 1952. Como jornalista alcançou o auge da carreira na função de redator-chefe da revista Elle francesa, famoso semanário feminino.
Aos 43 anos circulava no mundo glamouroso dos modelos e celebridades. Tinha dois filhos e o pai idoso, os quais amava. Dava-se bem com a ex-mulher.
Um salário ótimo, um automóvel caro e belas mulheres faziam parte deste cenário, em que não faltavam arrogância e frivolidade.
As coisas iam desse modo até que, em 08 de dezembro de 1995, Jean-Do (como era chamado pelos amigos) sofreu um grave acidente vascular cerebral. No seu caso, o AVC teve um desdobramento raro, conhecido na medicina como “locked-in syndrome”, através do qual o corpo fica paralisado, e o indivíduo perde a capacidade da fala. Inicialmente, ficou em coma durante vinte dias. Quando acordou no Hospital Marítimo de Berck-sur-Mer, deu-se conta de que a vida não seria mais a mesma.