Jorge Adelar Finatto
O Guaíba e os barcos habitam a alma do menino.
Tinha seis anos quando conheceu o rio.
Trazia no coração a saudade dos pinheiros,
o som do Arroio Tega, os abismos entre as montanhas.
Diante do menino, no dia que chegou a Porto Alegre,
o rio azul, imenso, com sede de mar.
Olhou para as águas e suas ilhas em silêncio.
Como estivesse só e perdido
fez um acordo com o rio:
nunca mais esqueceriam um do outro.
A escuridão daquele tempo os fez irmãos.
O longo e côncavo apito dos navios
era a música daqueles dias.
O cais recebia muitas embarcações.
Algumas grandes, com bandeiras de terras distantes.
O menino percebeu que os navios eram como as pessoas.
Sempre chegando e partindo.
Tentou aprender com eles a lição de ir embora sem se despedaçar.
Nunca conseguiu.
Um pedaço dele ficou em cada despedida.
Perdeu a conta dos estilhaços em que se partiu.
O menino saiu pelo mundo com um mapa rasgado nas mãos.
Tornou-se marinheiro de barco de papel.
Como um lírio plantado na escarpa, ficou só
exposto à chuva e ao vento.
exposto à chuva e ao vento.
Virou uma espécie de fantasma de si mesmo.
O coração do menino navega
no córrego perdido
entre os plátanos.
Se um barco flutua no ar
nos contrafortes da dor se acaso um lírio
cai na correnteza
chamai pelo irmão rio
gritai o nome bonito dos barcos
para o menino reencontrar a aurora.
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Foto: J. Finatto. Velho barco no Guaíba com gaivota.