terça-feira, 29 de setembro de 2015

Solo de violoncelo

Jorge Adelar Finatto
 
photo: jfinatto, 28/9/15
 
A questão é que não basta escrever. É preciso se sentir vivo em cada momento. Por isso ando dando mais atenção aos passarinhos e plantas do meu quintal.

A criação, em qualquer de suas manifestações, é uma tentativa de reinvenção da vida, de extrair-lhe sentidos, cores, formas e perfumes insuspeitados. Exploração e revelação de mistérios. Ó mistérios.
 
A vida cotidiana é injusta, escassa, sórdida, repleta de percalços, dura, seca, gris. A arte é o voo sobre o abismo, a fuga possível do real. A caminhada em direção ao amanhecer.
 
O que sabemos da existência e de nós mesmos é muito pouco, porque vivemos às voltas com a batalha desumana da sobrevivência. Batalha aqui no sentido literal, nada figurado, exata expressão da luta que se trava ao nível da existência.

Quase não há tempo nem disponibilidade de espírito para o outro olhar, um outro sentir, outra harmonia.

Habitamos um circo onde os leões devoram a plateia.
 
O coração é infinito, mas o corpo é perecível. O tempo é eterno, contudo dentro dele somos pobres hóspedes temporários. Seres que passam pelo cosmos como um risco de luz no espaço. Um segundo depois, apagamos.

Não consigo imaginar maior danação do que esta: fenecer depois de haver existido. Tirante a fé em Deus, não sei como lidar com isso. O raro leitor sabe?

Viver é morrer de sede diante do mar.

Alguém dirá: o blogueiro está um tanto sorumbático hoje. Sim, talvez um pouco macambúzio. Mas porém sem jamais desistir da esperança. Porque por meio dela se desenharam, pela primeira vez, figuras nas paredes das cavernas; inventaram-se os pergaminhos, as pirâmides, madonas, arlequins e monalisas; livros, barcos de papel e blogs.

Ninguém nunca quis ficar falando sozinho no vasto universo. Toda obra de arte, toda palavra escrita em página de caderno têm uma única e incontornável pergunta: tem alguém aí?