segunda-feira, 31 de agosto de 2020

A palavra no agora

Jorge Finatto

Estação da Luz. fonte: site do Museu da Língua Postuguesa


Com o objetivo de ajudar as pessoas a lidar com os sentimentos advindos da pandemia, o Museu da Língua Portuguesa lançou no mês de julho o projeto virtual A palavra no agora. A ideia é estimular as pessoas a expressar este momento difícil através de exercícios de escrita. O projeto acolhe textos que traduzem sentimentos e pensamentos em face da grave crise que enfrentamos, mostrando como cada um está vivendo a situação. Está disponível no endereço http://www.noagora.museudalinguaportuguesa.org.br/. 

Para compartilhar o texto no site do Museu, o interessado deve encaminhá-lo para noagora@museulp.org.br, informando nome, idade, cidade, bem como se deseja publicar com seu nome ou pseudônimo, iniciais ou anonimamente. 

Andei lendo algumas das contribuições. É surpreendente a diversidade do material, seu conteúdo, sua qualidade. A riqueza de percepções deste tempo sombrio se manifesta em linhas de espanto, tristeza, ansiedade, imaginação, saudades e, acima de tudo, em um olhar generoso sobre a vida e o futuro.

O Museu da Língua Portuguesa é um órgão da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo e foi criado em 2006 com a finalidade de valorizar a diversidade da língua portuguesa, celebrá-la como elemento fundamental e fundador da cultura e aproximá-la dos falantes do idioma em todo o mundoAs atividades que desenvolve nessa direção são preciosas e muito variadas.

O local escolhido para abrigá-lo foi a Estação da Luz, edifício histórico no coração de São Paulo (cidade com a maior população de falantes de português do mundo). Um incêndio ocorrido em 21 de dezembro de 2015 fez com que se suspendessem as visitações enquanto o prédio está sendo reconstruído.

Entre os escritores que já foram homenageados, em mais de 30 exposições, estão Clarice Lispector, Fernando Pessoa, Machado de Assis, Cora Coralina, Jorge Amado, Agustina Bessa-Luís, Rubem Braga e Guimarães Rosa.

Parabéns a toda equipe do Museu da Língua Portuguesa pela bela iniciativa.

Exposição temporária Grande Sertão: Veredas

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Um jardim na pandemia

Jorge Finatto



Tenho me envolvido com flores desde que a peste começou. A terra do jardim é fértil. As plantas pegam, crescem, iluminam. Eu apenas faço as imagens. O blog transformou-se num jardim virtual. Quem pensa e cultiva o jardim é a Izabel. Nunca esteve tão viçoso. Foi concebido para enfrentar esse tempo de sombras e espantar a morte. Está dando certo. Graças a Deus.






sábado, 22 de agosto de 2020

Tempo/espaço à beira do abismo

Jorge Finatto

photo: jfinatto


Nesse tempo/espaço à beira do abismo... Começar um texto com essa frase é um grande espanta-leitor. Eu mesmo ando atrás de palavras que me levantem do chão, deste chão de pandemia com mais de 113 mil mortos pela covid-19 no Brasil. Este calcinado chão da realidade brasileira cuja desumanidade derruba qualquer um. 

Como cultivo um jardim (gosto da vida), reescrevo o título: Tempo/espaço à beira de um jardim.

Eu já tive mais esperança no nosso país. Quando achava que poderíamos dar um passo adiante depois das últimas eleições, com um basta à corrupção e ao cinismo, o resultado é este que aí está. A reafirmação do atraso, da ignorância, do autoritarismo, da indiferença. A lava-jato sob ataque em diferentes níveis. A inexplicável e inacreditável ausência de um médico à frente do Ministério da Saúde em plena pandemia.

Minha decepção também quanto a nós como sociedade, educados que fomos pra não atentar para o coletivo e só ter em conta o próprio umbigo, "cuide de você, esqueça o resto e suba na vida". As ruas selvagens das nossas tristes cidades são o retrato acabado deste infeliz mantra.

Adolescência. Um pobretão em escola de classe média alta sonha alcançar uma profissão, por ele e por aqueles que não tiveram a mesma chance. Sofre os olhares e gozações de praxe por estudar com bolsa de estudos, vestir-se como pobre, não ser claro nem ter olhos azuis, ir de ônibus ou a pé pra escola, não viajar nas férias, não ter dinheiro pra nada. 

Quando um dia conseguiu comprar a primeira calça Lee americana, a grife já tinha saído de moda há tempos. Não perdeu o jeito, foi adiante e realizou seus principais objetivos: conquistou uma profissão e construiu uma família. Foi muito além do preconceito e do pouco caso dos "mestres e colegas".

Queria viver num país infinitamente menos egoísta e desigual. A corrupção mutila o futuro de meninos e meninas que nunca terão oportunidade no ensino e no trabalho. Um crime contra toda a sociedade.

Mas é preciso não perder de vista o sonho em um país melhor. Ele constrói-se na cabeça e nos gestos de pessoas que levam a honestidade e o sentimento de justiça a sério, que lutam por isso no seu dia a dia. Essa prática começa dentro de casa, nas coisas mais simples. Depois ganha o mundo. 

Com esse espírito, agarrado no que resta de esperança, vou vivendo e cultivando meu jardim.

domingo, 16 de agosto de 2020

Urgente primavera

Jorge Finatto

photos: jfinatto, ago. 2020


Nunca a primavera foi tão necessária. A pandemia da covid-19, no hemisfério sul, sobretudo no sul do continente americano, nos apanhou no início do outono e se estendeu por todo o inverno. Os últimos 5 meses foram extremamente difíceis. 

A primavera ainda não chegou. Mas setembro está próximo e o sentimento dela já toca o coração devastado pela realidade brasileira. Com a primavera, vêm as esperanças de que o vírus maldito comece sua retirada, afastando de nós o ímpeto assassino. Claro que, para isso, é fundamental que as pessoas sigam as orientações de combate ao contágio. 

A doença encontrou no Brasil um território fácil à propagação e à produção de vítimas. Um país desestruturado socialmente, com baixo nível de consciência comunitária e pouca capacidade de empatia.  Não é erro afirmar que parte dos mais de 106 mil mortos (até agora) se deve à negação da doença. E muita gente continua sem respeitar as medidas de prevenção.


rosas pra alegrar a alma

Nada como o distanciamento do tempo para revelar como as coisas se passaram entre nós. Que cada um responda pelos seus atos e suas omissões. Em todos os níveis, desde o cidadão comum do povo, que se negou a seguir orientações para evitar a propagação, até os mais altos ocupantes de cargos públicos, que subestimaram o alcance da tragédia e não fizeram a tempo o que precisava ser feito.

Primavera é tempo de renascimento, não de ressentimentos. Tempo de vida nova, de fim de hibernação, de seivas explodindo em energia, luz, alegria. Tempo de voltarmos a acreditar no futuro apesar de tudo. Tenho rezado pela saúde das pessoas amadas e de todos. 

Que Deus nos conceda a sobrevivência como uma nova oportunidade. Façamos  por merecê-la.

terça-feira, 11 de agosto de 2020

Evocação de Rilke

Jorge Finatto 

Flor de Viena. photo: jfinatto


Quem tomará a minha mão
na noite de vermes
quando o asco me derruba
feito cão pela esquina

quem de coração amigo
chegará para beber a gota
de ternura estrangulada

quem me chamará de irmão
na dor imensa
quando o medo me acerta
com suas espadas de fogo

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Poema do livro Claridade, Jorge Finatto. Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 1983.