Jorge Adelar Finatto
cegonha saindo do ninho. Salamanca, Espanha. photo: j.finatto |
Quando o caderno de viagem está completo e não há mais espaço para escrever uma só palavra, é sinal de que a travessia está no fim. É hora de voltar. Cumpriu-se o tempo de vôo e de paisagens vistas da janela.
As mais de três mil photos enchem o computador. As duas malas estão cheias de livros. Um mês passou voando. Meu prazo de validade para quartos de hotel, estações de trem, aeroportos, check-in, check-out, táxis, chegou ao limite.
É preciso, como a ave, ao ninho regressar. E de lá continuar a viagem.
Para mim Portugal é sempre porta de entrada e de saída da Europa (sim, o velho e combalido continente que a senhora Angela Dorothea Merkel, no melhor e no pior estilo germânico de ser, conduz com mãos e garras de aço).
Cada vez mais vivo esta verdade clara como o sol, que Fernando nos revelou no seu Livro do Desassossego: a nossa pátria é a língua portuguesa.
Cada vez mais vivo esta verdade clara como o sol, que Fernando nos revelou no seu Livro do Desassossego: a nossa pátria é a língua portuguesa.
Quiseram os fados que o único país da América a falar português fosse o Brasil. Somos um estranho país americano. Poderia ter sido o espanhol, o holandês, o francês, o inglês. Mas não.
A árvore plural, colorida, cheia de referências culturais e étnicas que é o Brasil, escolheu a língua de Camões para ser.
A árvore plural, colorida, cheia de referências culturais e étnicas que é o Brasil, escolheu a língua de Camões para ser.
Operou-se entre nós o milagre da unificação do imenso território em torno de uma única língua, essa que nos lambe desde o berço: o português.
Desde o mais remoto povoado amazônico até a rua mais erma da pequena cidade do Chuí, no extremo sul do Rio Grande do Sul, entrando no Uruguai, temos o mesmo idioma.
A árvore não pára de botar ramos, folhas, flores, frutos e espinhos. País formado por índios, colonizadores e imigrantes, muitos guardam ainda a memória de outras línguas, outros falares. Mas o português é a pátria de todos.
O Brasil continente pensa, sente, escuta, fala, lê e escreve português desde 1500. 200 milhões de almas nas pegadas do Padre Vieira e de Guimarães Rosa.
O que nos falta talvez é dar as mãos aos países lusófonos - todos darem-se as mãos - para juntos alcançarmos uma projeção econômica e cultural única no mundo. Naturalmente, sem essa bobagem de acordo ortográfico, que mais nos separa do que nos aproxima.
Deus nos livre da síndrome da mesquinharia, da inveja, do ciúme e da vileza cultural entre nossos países, e do abismo do grande umbigo, buraco negro das augustas vaidades que corrompem a nossa "mátria" comum.
O que nos falta talvez é dar as mãos aos países lusófonos - todos darem-se as mãos - para juntos alcançarmos uma projeção econômica e cultural única no mundo. Naturalmente, sem essa bobagem de acordo ortográfico, que mais nos separa do que nos aproxima.
Deus nos livre da síndrome da mesquinharia, da inveja, do ciúme e da vileza cultural entre nossos países, e do abismo do grande umbigo, buraco negro das augustas vaidades que corrompem a nossa "mátria" comum.
Ando mesmo com saudade de ouvir Baden Powell tocando seu violão, dedilhando maravilhas como Pastorinhas, Inquietação, Molambo, Dora e todo o resto.¹ Ando mesmo precisado de caminhar pelas ruas escondidas de Passo dos Ausentes.
É hora de voltar, raro leitor. E começar outra viagem. A viagem na viagem.
A hora do antropófago, da deglutição de tudo o que foi visto, percebido, sentido. Tempo da intuição, da elaboração, da criação.
O eterno retorno ao pajé Oswald de Andrade.²
_____________A hora do antropófago, da deglutição de tudo o que foi visto, percebido, sentido. Tempo da intuição, da elaboração, da criação.
O eterno retorno ao pajé Oswald de Andrade.²
¹Disco Lembranças, ano 2000.
²Manifesto Antropófago, 1928.