terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

El fantasma de la isla

Jorge Adelar Finatto

Puerto Madero, Buenos Aires. photo: jfinatto


O que a gente leva da vida são uns recuerdos de viagem, Maria. É o que dizias, eu menino, lembra?

O que fica é um pouco de bruma nas mãos, quase nada. Uns retratos velhos, uns livros empoeirados, umas dores inconfessadas, uns remorsos, umas raivas, umas ilusões ressequidas pelo tempo. E a impressão de que, talvez, não vale a pena tanto cansaço. Não vale um caracol essa louca passagem para o nada.

Agora ando a reunir meus recuerdos de viagem, Maria. Como um menino que vira com ternura as folhas do seu álbum.

Por isso resolvi sair pelo Arroio Tega, nesta manhã, com meu barco de papel. Vou viajar, Maria. Levo dentro do barquinho a mala de prodígios (as histórias que me contavas para espantar o rugido do vento nos contrafortes da solidão, as noites frias de inverno que passavas comigo ao colo em volta do fogão a lenha).

O trem que custava, como custava!, a chegar na estação!

O barquinho é branco como nuvem e tem a vela azul-clara. Construí-o com uma folha de caderno escolar.

Hoje andei com ele na mão até a beira do arroio e, no fim da tarde, lancei-o suavemente na corrente e pulei dentro. Sentei ao fundo, na popa, e manejei o pequeno leme. Estamos navegando sob a claridade longínqua das estrelas.

Só os meninos e alguns poucos velhos sabem navegar num barco de papel. Vejo as luzes vermelhas de um avião piscando distantes no céu.

O barco de papel é frágil e breve como a vida. O tempo, Adamastor enfurecido, devora tudo que encontra pela frente e arrasta nossos barquinhos para o fundo das águas. Mas nem por isso desisto de navegar.

O instante de ternura é nossa plausível eternidade, Maria.

Vamos, barquinho, vamos deslizar entre as estrelas.