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quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Um futuro agora para o Brasil

Jorge Finatto

photo: jfinatto

 
O EFEITO mais perverso e doloroso da crise ética que assola o Brasil é o abandono do nosso maior capital como nação: as crianças e os adolescentes. Tal se materializa na permanente falta de creches para os filhos enquanto pais e mães (principalmente) trabalham (aqueles que ainda têm onde trabalhar). E nas famílias destroçadas pelo desemprego, com suas terríveis conseqüências.
 
O que se vê são crianças sozinhas a maior parte do dia, às vezes entregues aos cuidados de irmãos "mais velhos", também eles crianças. Muitas vezes vivendo em circunstâncias onde só a mão de Deus pode livrá-las do pior.
 
A grande herança da corrupção sem limites que invadiu o país, à esquerda e à direita, são gerações de meninos e meninas atônitos, feridos, famintos por comida e atenção, desorientados, desiludidos e, o pior, sem esperança.

Essa a face mais cruel, a lágrima que não seca.
 
A reconstrução do Brasil deve começar por esses milhões de seres invisíveis. É preciso que o Estado vá às comunidades com serviços essenciais, boas creches, saúde, esportes, além de implementar por todo o país, sem mais demora, os Centros Integrados de Educação Pública, idealizados pelo antropólogo Darcy Ribeiro.

Só a partir de então poderemos falar num futuro para o Brasil. Um futuro que não pode mais esperar. 
 

sábado, 19 de julho de 2014

Não me abandones

Jorge Adelar Finatto
 a Chet Baker*
 
Chet Baker (1929-1988)

Não me abandones
povoa a noite
com teu suprimento
de afeto

enche o deserto
com teus passos

em segredo
devolve-me
a delicadeza
daqueles dias

me dá outra vez
o diamante
da tua
presença

________

*Do livro O Habitante da Bruma, Editora Mercado Aberto, Porto Alegre, 1998.
Leia também Chet on poetry:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2012/06/uma-viagem-sentimental.html

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Apontamentos sobre direitos das vítimas no Brasil

Jorge Adelar Finatto

photo: j.finatto
 
A vítima, no Brasil, é aquela pessoa a quem coisas ruins acontecem por culpa dela ou por força do destino, ao contrário dos que ainda não caíram, e que se julgam protegidos no interior de uma cápsula indevassável.

A vítima tem direito de saber que dificilmente será tratada como merece pelo Estado e pela sociedade, porque há poucos recursos disponíveis para dar-lhe a necessária e urgente atenção. Ela deve entender que o tempo é curto e a vida continua. No caso, a vida dos outros.

A vítima tem direito de ficar só com seu sofrimento.
 
A vítima tem o inalienável direito de respeitar, até o fim de seus dias, os direitos humanos de seu carrasco.

A vítima tem direito de ser informada que os presídios estão superlotados, não há mais vagas para quem comete crimes.

A vítima, real ou potencial, tem direito de viver aprisionada dentro de si e de sua casa, enquanto os criminosos andam soltos, sabendo que, agora ou num futuro próximo, farão outras vítimas.

A vítima tem direito de entender que aquilo que levou uma vida inteira para construir pode ser destruído em poucos segundos por alguém que não está nem aí para ela e sua família.

A vítima tem todo o direito de fazer um resumo do que lhe aconteceu, desde que evite detalhes desagradáveis  e, principalmente, controle sua emoção, porque as pessoas em geral, e algumas autoridades em particular, têm um milhão de coisas para fazer e se chateiam com relatos emocionais. Às vezes, prefere-se acreditar que os fatos não aconteceram bem assim, ou são peças de ficção.

A vítima tem o irrecusável direito de carregar na alma o insuportável sentimento de invasão, impotência, fragilidade e tristeza pelo que passou.

A vítima tem direito de levar sozinha seu trauma pelo resto da vida, com poucos, raros seres humanos para dividir a angústia da violação sofrida.

A vítima tem o direito de permanecer em silêncio para não importunar a indiferença dos outros.
 
A vítima tem direito de ouvir que seu caso não é o único e que, por isso, deve ter paciência. Dramas como o seu acontecem todos os dias. Seria até melhor poupar-se de falar contra a ineficiência dos públicos poderes.
 
A vítima tem todo o direito de saber que o principal direito humano que lhe assiste é o recato na dor.
 
_____________
 
Texto publicado em 22 de março, 2010.
 

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Recém-nascido resgatado com vida

Jorge Adelar Finatto


photo: AFP
 

Um bebê recém-nascido foi resgatado com vida da tubulação do esgoto de um prédio na China. O fato aconteceu na cidade de Jinhua, na província de Zhejiang. Conforme ontem noticiado, a mãe seria uma jovem solteira de 22 anos, que deu à luz e, após, a criança teria sido arrastada com a descarga do banheiro.
 
Moradores do edifício ouviram choro nos condutos e alertaram os bombeiros. A criança - um menino - estava entalada no cano de apenas 10 centímetros de diâmetro. Os bombeiros tiveram de cortar parte do conduto no qual estava, levando-o em seguida ao hospital, onde os médicos retiraram o bebê, que agora está na incubadora.

A polícia ainda não sabe os detalhes do caso e desconhece a extensão da responsabilidade da mãe. A jovem explicou que escondera a gravidez por temor.
  
A lei do filho único, em vigor na China desde o final da década de 1970, para controlar a natalidade em face da superpopulação, impõe sanções, como multas, a casais que têm mais de um filho. Isso fez aumentar o número de abortos e de abandonados após o nascimento, sendo as crianças do sexo feminino o alvo principal.
 
O fato aconteceu na China, mas ocorre, infelizmente, em toda parte. É das coisas mais tristes que podem suceder. Não me refiro apenas ao sofrimento do bebê, vítima indefesa, mas ao trauma da própria mãe, não raro de pouca idade, em situação de profundo abandono e perturbação mental.
 
Pelo que se pode ver nas manifestações pela internet, há uma exigência de punição em relação à mãe (o pai, neste caso, como em muitos outros, é desconhecido).
 
É compreensível a dor e a revolta que um fato como esse provoca. Mas é preciso, antes do julgamento sumário da mãe, da condenação moral sem direito a recurso, tentar entender as circunstâncias que cercam o evento (até o momento pouco se sabe).
 
Na minha visão, é necessário buscar explicações para o abandono cada vez mais freqüente de crianças recém-nascidas, aqui e acolá. 
 
O abandono de bebês revela a face cruel da sociedade em que vivemos. É, a princípio, um problema de quem comete o terrível ato, mas é, também, uma sinalização de que a sociedade está muito mal. Para além da idéia da punição, simplista e que nada resolve, que quer apenas infligir castigo a quem pratica o fato, é preciso conhecer de perto a situação em que vivem essas gestantes.

A solução, com certeza, não está no Código Penal. Existe por trás, quase sempre, uma realidade de rejeição familiar, afetiva e social que, dependendo de cada pessoa, pode levar a um gesto de loucura.
 
O pai do recém-nascido abandonado não costuma estar por perto, aliás não está nem aí na maioria das vezes, escondendo-se como se não fosse com ele.

Em vez de sair pedindo a cabeça da mãe, é conveniente examinar com cuidado, sob pena de confundir frios criminosos com pessoas desesperadas, entregues à própria solidão, sem nenhum preparo psíquico e material para enfrentar a situação em que se encontram.

Não se faz justiça nem se previne o mal com ódio. O respeito ao próximo, de que tanto está carente nossa sociedade, é, ao lado do amor, o caminho para evitar que estas tragédias aconteçam. E para remediar as conseqüências, quando elas ocorrem.
 
O nenê chinês passa bem, graças a Deus, haverá de sobreviver. Quem sabe ajudará a China a rever a sua política de controle da natalidade, humanizando-a. E cabe a todos os países, a toda sociedade, tratar melhor as gestantes em situação de desamparo, dando-lhes o imprescindível apoio, importante para elas, para o nascituro e para a vida em comunidade.