domingo, 15 de abril de 2018

Valei-nos, abacaxi-rei, Soberano Ananás

Jorge Finatto

photo: jfinatto


VALEI-NOS, ABACAXI-REI, Soberano Ananás, do alto da tua coroa espetada. A ti, em última instância, recorremos com a voz rouca dos ensaios das escolas de samba.

A filosófica, incontornável e urgente questão é uma só, Venerável Ananás: quem, afinal, vai descascar a bromeliácea?

Não existem respostas prontas a pergunta tamanha na nossa civilização abacaxizal. Ninguéns ou nenhuns, na verdade, estão dispostos a enveredar atrás da resolução de tão alta indagação.

Os senhores do caos (mergulharam a nação em corrupção, violência e cinismo) há muito viraram as costas ao problema e dizem que isto é tarefa para as próximas 235 gerações. O negócio é aproveitar ao máximo e roubar tudo que puder, dizem eles, enquanto se pode.

Essa gente safa veio ao mundo pra ser príncipes. De tanta nobreza o país está cheio pelas bordas. Só que agora estão caindo as tampas do cozido. O povo não agüenta mais.

E vai que vai. Sectarismo (todas as cores), terno e gravata, dinheiro na mala, tiro na cara, e bola na rede (do povo). O resto não interessa, se vê mais tarde. Deixa explodir.

Quem vai embraçar a bromeliácea? Quem terá a fineza de arrancar-lhe a injusta casca para que possamos, todos, após o generoso gesto, degustar a doce infrutescência à mesa solidária?

Enquanto não aparece a alma gentil pra fazer o serviço, ficamos todos a admirar a fruteira sobre a mesa com o hermético fruto dentro. Como um bebê em berço esplêndido.

De novo e sempre, a indigesta pergunta nos assola: quem vai empalmar o rude abacaxi e desvelar-lhe a dolce polpa?

Valei-nos, Abacaxi-Rei! Não nos deixeis à mercê do canto solerte e fatal de sectárias sereias, pois não passamos de indefesas criaturas nessas praias onde o mar verde balança.

Mostrai-nos, Augusto Ananás, o caminho da obscura e indizível doçura por trás da terrível realidade que nos fecha ao paladar da dignidade, da esperança e da alegria.