sábado, 25 de agosto de 2012

A guardiã da alma e do tempo

Jorge Adelar Finatto


photo: j.finatto


A máquina de escrever é a verdadeira máquina do tempo.*
 Guillermo Cabrera Infante
  
Contigo aprendi a escutar a chuva.

Foi o que fiz, Maria, ontem, na madrugada de insônia. E me lembrei das tardes antigas em que, no inverno, me contavas histórias na velha casa de madeira e eu adormecia ouvindo a tua voz misturada na voz do vento.

No fundo do pátio, entre os plátanos, passava o Arroio Tega, fazendo rumor sobre os seixos, conversando com os canteiros da horta.

O arroio rompia desde o interior verde da mata e levava mundo afora meus barcos de papel e as folhas das árvores.

Nas águas claras a nossa vida se refletia, misturada ao azul do céu e à cor luminosa dos peixes.

O mundo era suave e leve como ninho de passarinho.

A casa se enchia com aroma de cravo, mel, açúcar queimado e  canela. Quando acordava, sobre a mesa da cozinha estavam os doces que tinhas feito.

Nunca houve um mundo mais cálido do que aquele que construías ao meu redor. Nem existiu abraço mais terno e verdadeiro no teu menino.

Tecias com tuas mãos delicadas o ofício de guardiã do tempo e da minha alma.

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* A Ninfa Inconstante, Guillermo Cabrera Infante, p. 16. Coleção Literatura Ibero-Americana, Folha de São Paulo, 2012.