sábado, 27 de fevereiro de 2010

Uma tarde na estação

Jorge Adelar Finatto


Dentro de mim mora o cego da estação de trem de Passo dos Ausentes.

Ele espera o vagão invisível com os passageiros fantasmas.

Espera pra tocar o acordeom que alguém lhe deu quando ainda era um menino.

Um dia serás o músico da estação, um cargo muito importante, lhe disseram.

A estação é lugar de gente alegre e de gente triste.

Tem pessoas ali que carregam o coração rasgado.

Aos quinze anos ele assumiu o ofício de músico da estação ferroviária, um cargo público.

Nunca desde então um passageiro chegou ou partiu de Passo dos Ausentes sem ouvir seu acordeom.

Eram melodias melancólicas nos acordes iniciais, que aos poucos, como numa passagem de luz,  conduziam o ouvinte por um caminho suave, leve e colorido como o voo das borboletas.

Uma vez, numa tarde perdida de outono, sentei a seu lado no banco de madeira de pinheiro. Perguntei-lhe  por que continuava indo para a gare todos os dias, ocupando o seu posto, se já não existiam mais trens de passageiros.

- Eu quero estar aqui quando o trem voltar. Um dia ele volta. Nenhum passageiro pode ficar sem música na estação.

Durante muitos anos ele tocou na gare vazia, esperando o trem que nunca veio.

Eu quis saber se ele ainda tinha um sonho que queria realizar.

- Tenho, respondeu. Tirou os óculos escuros. Como se olhasse em direção aos dormentes cobertos de heras, disse que um dia gostaria de entrar no velho trem e partir pelo mundo com seu instrumento.

- Eu vivo muito solitário aqui na estação. Sou personagem de um filme antigo. Nada mais acontece em Passo dos Ausentes. Estamos sumindo. Os mais moços vão embora enquanto podem. Nem no mapa a cidade está. Somos invisíveis, desaparecidos na neblina dos Campos de Cima do Esquecimento. Meu sonho é poder levar minha solidão pra outro lugar, onde ao menos me vejam e escutem a minha música.

Tomamos uma xícara de café preto bem quente que ele trazia na garrafa térmica.

Uma luz dourada caía nas folhas dos plátanos.

Depois ficamos em silêncio, ouvindo o vento passar na estação.


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