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sexta-feira, 4 de julho de 2014

Eu comecei a sair da mina

Jorge Adelar Finatto
 
photo: jfinatto
 
 
Eu comecei a sair da mina
com meus ferros retorcidos
meus tocos de vela apagados
meu alforje vazio

fazia lá fora um dia solar
desses de não se perder
eu vi um rosto bom
o jeito sereno de um homem
que me ajudou a respirar
                                    me abraçou
me desamarrou as mãos

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Do livro Claridade, J.A.Finatto, co-edição Prefeitura Municipal de Porto Alegre e Editora Movimento, 1983.

domingo, 15 de junho de 2014

O apanhador de estrelas

Jorge Adelar Finatto
 
photo: jfinatto
 
 
Escrever é estar vivo. Compartilhar isso com o outro é uma forma de claridade . Navego pelo universo a bordo do calepino silencioso, sem sair do lugar. O texto no computador vem depois da viagem.

Esse sentimento aconteceu durante uma bruta falta de luz que lançou a casa e toda a rua e talvez o bairro todo no mais profundo breu.
 
Saí pelos armários e gavetas às cegas, apalpando em busca de coisas capazes de substituir a luz elétrica que desaparecera, pra continuar as anotações que estava fazendo.
 
Me senti um apanhador de estrelas, perseguindo velas, fósforos, lanternas, isqueiros, lamparina a óleo, qualquer coisa que pudesse iluminar a escuridão que me cercava naquele momento.
 
Não tenho apreço pelo lado escuro. O breu das almas, o breu da vida, me desacostuma da alegria. Gosto de claridades.
 
A escuridão me desabriga.
 
Por fim, encontrei uma vela de tamanho razoável com força de moer o escuro. Caderno à mão, retomei a busca de extrair o incomunicável, o desconhecido, o lado escuro dentro de mim, na esperança da rara luz que verte da palavra.
 
O homem é palavra.

O que é um texto, raro leitor, senão um telescópio mirando a espessa névoa dos corações? Quem, senão a palavra, pode vasculhar esse vasto território, dar-lhe alguma voz, forma e sentido?

Quem, senão a palavra, pode nos valer perante nós e o outro?
 
Palavra sem esquecer de ser silêncio. Palavra e silêncio.
 
Na noite calada, o apanhador rumina o escuro, visita distâncias, ruínas, abraça ausências, faz apontamentos, cultiva paciência, estuda as anotações de outros exploradores do universo, ajusta as lentes do seu instrumento. Deseja querer.

É noite de outono, frio, beira do inverno. Viajo pelo cosmos, visito o brilho azul de estrelas que já se apagaram, desvelo sombras inumeráveis, vou à procura do que é e respira, quero conhecer um pouco esse mistério.

O apanhador espreita a noite infinita do mundo em busca de um sinal, um movimento, uma luz generosa e tênue que ilumine os aposentos interiores da casa chamada ser humano.

Eis que a calma luz penetra aos poucos pelas frestas, por debaixo da porta, através do postigo. A luz suave e benigna. 
 
Palavras criam asas, inauguram o vôo.
 
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Texto revisto e atualizado, publicado antes em 9 de janeiro, 2013.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

O que vale na escuridão

Jorge Adelar Finatto

photo: j.finatto

 
Os gestos são os melhores professores, os mais autênticos, os que verdadeiramente podem ensinar algo de bom (ou mau) a alguém. Se queremos transmitir valores nos quais acreditamos, precisamos antes dar o exemplo.
 
Um gesto vale, não diria mil, mas um milhão de palavras. Palavras são feitas de ar e delas se ocupa o vento, levando-as. O que importa é o que se faz de concreto com as palavras que brotam sem parar da nossa boca. A teoria, isoladamente, não leva a lugar nenhum.
 
Nessas lucubrações não há nenhuma novidade. É assunto batido, velho (sempre atual embora), que mereceu inclusive tratamento na Bíblia.

Ouçamos o que diz Tiago, irmão de Cristo, na sua Carta: "Vedes que o homem há de ser declarado justo por obras e não apenas pela fé." E ainda: "Deveras, assim como o corpo sem espírito está morto, assim também a fé sem obras está morta." (A Carta de Tiago, capítulo 2, versículos 24 e 26).

Lembro essas coisas ao constatar (todos os dias, todos os lugares) o quanto estamos carentes de atitudes de bondade e civilidade, no dia a dia, nos relacionamentos, na rua, no trânsito, no trabalho, no interior das casas.

O quanto nos falta esse ato capaz de nos tornar mais humanos, mais fraternos, mais solidários, menos julgadores, mais em paz com o outro.

Chego sempre à invariável conclusão de que temos tudo para dar certo como pessoas, fazendo do mundo um lugar mais feliz, mas falta este passo que nos tornará melhores do que somos.

Nunca esqueço, a propósito, o ensinamento de Santo Agostinho, que certa vez ouvi, e que contém uma verdade pulsante como o sol:

"Os maus não são bons porque os bons não são melhores."

Como a maioria das pessoas, estou farto de tanta violência, de ver o sofrimento, a indiferença e o egoísmo tomarem conta.

O que vale é saber quem de nós vai acender a vela, o farol, a lanterna, o archote, a lâmpada para dissipar essa escuridão que nos cerca e que já vai longe demais.

É preciso se iluminar urgentemente.