numa obscura mesa de jogo
de casarão porto-alegrense
desmoronado
sentimento
que o invade
não se define
foi desde sempre
este touro
construindo castelos
e derrotas
na arena do baralho
silêncio de meu pai
não se traduz
ele se expressa nas marcas
que trago na face
e como trocaríamos
em vez de despedida
abraço
não tivesse a vida plantado
o desencontro
em nossos caminhos
a imemorial ausência
erigiu labirintos
espalhou ecos ao meu redor
povoou de medo
as noites do menino
bato na porta de sombra
do seu esquecimento
o menino cresceu
e a falta do velho
alastrou-se no tempo
meu pai partiu
cedo demais
partiu sempre
em cada hora
da minha vida
impossível saber
o doce do seu beijo
o abrigo no peito forte
agora que o tempo caiu
excessivamente sobre nós
esta falta, entre todas,
calaria mais fundo:
o pai que não tive
um quadro sem tela
na parede fria
da memória
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Do livro O Fazedor de Auroras, Instituto Estadual do Livro, Porto Alegre, 1990.
Foto: J. Finatto. Cais de Porto Alegre.