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segunda-feira, 19 de setembro de 2016

A primeira manhã

Jorge Finatto

photo: jfinatto
 

Porque há hibiscos
                                 na rua
e a primavera
quase sempre
é sentimento
te ofereço esta manhã

como fantasma
não faço mais
que transitar
nessa obscura rota
do adeus

como se fossem meus
colho teus segredos
que o vento carrega
para onde eu não sei

te ofereço esta manhã
a primeira manhã do mundo
para não esqueceres
o bem que te quero

________ 

Do livro Memorial da vida breve, Jorge Finatto. Editora Nova Prova, Porto Alegre, 2007.
 

terça-feira, 22 de setembro de 2015

O caçador de flores

Jorge Adelar Finatto
 
photo: jfinatto

O CAÇADOR DE FLORES, na sua floral loucura, busca reter a beleza do que, por natureza, é volúvel ao tempo e perecível.

Confesso que sou amador na arte de caçar flores, alguém que se dedica ao ofício por puro prazer estético, sem fazer disso meio de vida ou por espírito de emulação com outros caçadores.

Setembro. Lanço-me mais uma vez na delicada faina, mesmo sabendo que imagens conservam apenas a aparência do que foi belo um dia e depois deixou de ser.

Saio por aí com a Coruja, vetusta máquina fotográfica que me acompanha há séculos, e começo mais um dia de caçada. Esta é a época perfeita. Início da primavera.

E haja corola pra satisfazer a sanha insana.

O gesto é egoísta, reconheço, típico de quem dá valor excessivo ao próprio deleite, numa ânsia predatória de fazer arrepiarem-se os campos, jardins e pomares. Tal é a sina do predador.
 
O caçador satisfaz o cruento instinto ao capturar flores em fotografias, escondendo-as em álbum secreto. Todavia, o segredo não resiste à evidência de que o belo precisa ser compartilhado.

Só a exposição torna completa a alegria da caça.

Um dia as flores secam e morrem, como tudo que é vivo e respira. Alguma coisa delas permanece nas imagens. Será essa, talvez, a possível atenuante para a conduta violenta do caçador, no seu afã de ter consigo todas as flores que puder e mais algumas.

Na cidade grande quase não há flores ao ar livre. Por isso, e por não gostar de viver distante delas, quando estou longe de Passo dos Ausentes, levo comigo as photos floridas. Um jardim de emergência em meio ao deserto de concreto. Para suavizar o feio e o triste.

Nos Campos de Cima do Esquecimento, de onde escrevo essas frágeis linhas de primavera, não faltam flores, graças a Deus. Elas crescem generosamente em todo lugar e a caça é abundante.

O retrato floral é, talvez, um modo patético de aprisionar o efêmero, alguém dirá. Pode ser. Mas o que não é patético nessa vida, não é mesmo, raro leitor? 
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Texto revisto, publicado antes em 26, nov., 2013. 

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Boa primavera a todos

Jorge Adelar Finatto
 
photo: j.finatto

Repousando sobre o galho pensador, meu amigo resolveu fazer uma pausa pra descansar e admirar o Vale do Olhar neste início de primavera. E cantou um pouco, também,  sobre o ramo da jovem caneleira no seu momento de solidão e meditação.
 
A vidinha do meu amigo não anda nada fácil. Conheço-o desde que, ainda menino, passou a freqüentar as árvores diante da janela do escritório. Agora ele tem família e precisa garantir o sustento dos filhotes e da companheira no ninho que não fica longe daqui. 
 
Já não existe muito alimento disponível na natureza para eles. As cidades avançam ferozmente sobre as matas e áreas verdes. Vivemos num país de 200 milhões de habitantes onde não se respeitam os direitos elementares das pessoas. Se para os seres humanos está ruim, imaginem para os pássaros e outros seres vivos.
 
Por dia, mais de 50 pássaros como o meu amigo vêm à varanda do escritório para comer as frutas que sirvo para eles. A maioria pega o pedacinho da fruta e leva para o ninho. Depois volta.
 
Que nesta primavera, que começa hoje no hemisfério sul, tenha mais justiça, beleza e alimentos para todos.
 

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Qualquer semelhança

Jorge Adelar Finatto

photo: j.finatto

 
Qualquer semelhança com a primavera, por esses dias, não é mera coincidência. É vera presença floral.

Estão aí os primeiros sinais, os primeiros perfumes, os primeiros anelos, misturados às últimas cerrações, aos últimos frios, às últimas geadas e, por que não?, às derradeiras solidões do inverno. É assim nos Campos de Cima do Esquecimento.
 
É tudo tão claro e tão certo como essas flores que emergem dos talos na paisagem da tarde gris. Delicado como esses ramos tenros que apontam nos galhos.


photo: jfinatto


Ainda não chegou a primavera. Mas o seu sentimento já roça o coração devastado. Se calhar, o amor e a empatia vão florescer em todos os espíritos em setembro. Sonhar não custa.

Por isso é preciso sair pela estrada de terra, ouvir o rumor das águas do córrego no mato, a conversa dos pássaros sob as copas transparentes que se alargam.

É hora de fugir dos gritos e dos motores, sem esquecer dos jornais e televisões, e também das vaidades fúteis galopantes, sejam elas literárias ou não.

Por isso eu quero ficar quieto: para escutar o som das asas da borboleta atravessando o ar. Para varrer da alma as tristezas e sombras acumuladas.


photo: j.finatto
 
Atentai, monstros de melancolia, que se aproximam os novos e cálidos dias e neles não tereis mais voz nem exercereis qualquer poder.

É tempo de respirar o ar ensolarado e fino de setembro. E dizer sim às mais loucas esperanças.

É tempo de mergulhar em silêncio na doce algaravia dos passarinhos. E renascer.


photo: j.finatto
 

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

O escândalo das hortênsias

Jorge Adelar Finatto
 
photo: j.finatto


As hortênsias resolveram embelezar a cidade. Era só o que faltava.

Em meio a tanta desilusão, tanta feiura das almas, tanta gente má e casca grossa, vêm agora as hortênsias e decidem distribuir beleza e graça.

Um negócio muito estranho.
 
photo: j.finatto

Um verdadeiro escândalo aqui em Passo dos Ausentes.

Quando achava que não tinha mais jeito, quando nada mais esperava diante do triste espetáculo humano, as hortênsias surgem em silêncio, espargindo cor e delicadeza sobre cinzas.
 
O que mais nos espera?, eu pergunto, e já ninguém responde.

Tanta beleza é mesmo uma violência contra a desolação.
 
O que será feito da nossa histórica descrença no Brasil e em nós mesmos?
 
E o que restará do nosso olhar melancólico sobre o sentido da existência? É o fim dos tempos.

Devia ser aberto, imediatamente, um inquérito contra as hortênsias por tamanho absurdo e desacato à ordem estabelecida, verdadeiro atentado violento ao pudor a céu aberto.
 
Mas ninguém faz nada, este é realmente o país da impunidade.

Nem maldizer a vida em paz a gente pode agora.
 
É o fim da picada.


photo: j.finatto

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O título podia ser A sagração da primavera, uma feliz recordação da música de Igor Stravinsky, diante da estação que se aproxima (chega em setembro).
Texto revisto, postado antes em 12/12/2011.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

A primeira manhã

Jorge Adelar Finatto

photo: j.finatto*


Porque há hibiscos
                       na rua
e a primavera
quase sempre
é sentimento
te ofereço esta manhã

como fantasma
não faço mais
que transitar
nessa obscura rota
do adeus

como se fossem meus
colho teus segredos
que o vento carrega
para onde eu não sei

te ofereço esta manhã
a primeira manhã do mundo
para não esqueceres
o bem que te quero

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Do livro Memorial da vida breve, J.A.Finatto, Editora Nova Prova, Porto Alegre, 2007.
photo: janela do Castelinho, Caracol, Canela.