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domingo, 13 de dezembro de 2015

O tempo urgente de Iberê Camargo

Jorge Adelar Finatto

Série Ciclistas, 1990, Iberê Camargo, Fundação I.C., photo: jfinatto
 
Com meus ciclistas, cruzo desertos e procuro horizontes que recuam e se apagam nas brumas da incerteza.¹
Iberê Camargo

Ainda estamos vivos ou morremos há muito e não nos avisaram? Esta é a pergunta que me ocorre ao mergulhar nas pinturas de Iberê Camargo (1914-1994), nesta tarde ensolarada de sábado, dezembro, ano terminando. A exposição Iberê e seu ateliê: as coisas, as pessoas e os lugares é das mais importantes que visitei na Fundação Iberê Camargo. Traça um panorama da trajetória do artista ao longo dos muitos anos em que produziu.
 
De alguma forma,  todos nós, em algum momento, habitamos a pintura de Iberê. O pintor resume com suas fortes pinceladas carregadas de tinta (muitos dos traços formam relevo na tela) a pungente condição humana.
 
Crepúsculo da Boca do Monte, 1991, Iberê Camargo, photo: jfinatto

A dor, a perplexidade, o irrecusável impasse diante do tempo e da morte estão presentes nas naturezas-mortas, nas pessoas, nas paisagens, nos objetos. O poço fundo e negro do interior de cada um aflora nos quadros de Iberê.

sem título, 1943, Iberê C., photo: jfinatto

O trágico sentido, contudo, não remete ao desespero. Pelo menos não hoje, não para mim, não nesta tarde varrida pelo sol dourado, o azul chapado sobre o Guaíba, os barcos ondulando no rio. Antes é à vida que se dirige o apelo do grande pintor nascido em Restinga Seca, no Rio Grande do Sul.

Outono no Parque da Redenção II, 1988, Iberê Camargo, photo: jfinatto

Iberê Camargo nos alerta para a brevidade do nosso tempo, este tempo, pessoal e intransferível, mas também coletivo, e à urgência de viver sem demora o que nos cabe. Não podemos mais esperar que cheguem todas as respostas. Talvez não haja, afinal, um pote de ouro no fim do arco-íris. É preciso olhar o outro, sentir o outro. E viver.

Paisagem, 1956, Iberê C., photo: jfinatto

Não podemos mais esperar por este amanhecer que já tarda. Precisamos desenterrá-lo do escuro, sem demora, com as próprias mãos. Precisamos construir a claridade.

É isto que sinto ao passar a tarde diante dos traços belos-trágicos do artista que buscou, e encontrou, como poucos, algo a dizer além da escuridão.

O pintor é o mágico que imobiliza o tempo.²
Iberê Camargo

Signo branco I,1976, Iberê C.
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¹,²Iberê menino, págs. 34, 5. André Neves e Christina Dias. Difusão Cultural do Livro, São Paulo, 2007.
Veja também: Iberê Camargo e a escrita da solidão:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2012/03/ibere-camargo-e-escrita-da-solidao.html
 

domingo, 29 de setembro de 2013

Xico, Vasco e Iberê

Jorge Adelar Finatto

O homem da flor na boca (Um ato de amor à vida).
pintura de Iberê Camargo, 1992.
 
Saber desenhar é um dom maravilhoso. Eu não sei desenhar um ovo. Por isso admiro quem domina essa arte. Amo a pintura e gosto de visitar exposições.
 
Conhecer desenho é fundamental pra quem quer ser pintor ou escultor. A arte abstrata contribuiu muito para o desprestígio da pintura no Brasil e no mundo. Abandonou-se o figurativo, caiu-se no risco tosco, nos espaços vazios, abusou-se do sem sentido. Com exceções que vêm de artistas que já tinham um trabalho anterior fincado na figura. Exemplo entre nós: Manabu Mabe.

O abstrato de Manabu tem beleza e espírito. Passa emoção.

A maior parte do que se chama de arte abstrata é coisa de gente que nunca aprendeu a desenhar. Faltaram às aulas, negaram-se a estudar. Não podia dar boa coisa.

Van Gogh, por exemplo, desenhava muito bem. Fazia figuras humanas e inanimadas com rigor. Ele nunca traía o objeto. Observei de perto algumas coisas que ele pintou na França. Concluí que ele as desenhou tais como eram, embora não fosse um mero copiador, um retratista.

Em Van Gogh os objetos ganham a forma que assumem em sua alma. O essencial da coisa está lá. O resto ele inventa.  A pintura emerge da carga emocional que coloca nos traços, da técnica refinada, da explosão das cores.

No vento e na terra, 1991. Iberê Camargo
 
Visitei na sexta-feira passada (27/9) a exposição Xico, Vasco e Iberê, o ponto de convergência, na Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre. É uma mostra concisa e interessante para quem deseja ter uma idéia do trabalho desses importantes artistas gaúchos (embora nascido em Traun, na Áustria, Xico construiu sua vida e sua obra no Rio Grande do Sul).
 
Xico Stockinger (1919-2009) e Vasco Prado (1914-1998) foram escultores e Iberê Camargo (1914-1994), pintor.

Os três tiveram vidas longas que lhes permitiram construir uma obra singular. Cada qual a seu modo, marcaram a história da arte no Rio Grande do Sul e no Brasil.

Colegas de ofício e contemporâneos, eles manifestaram através do trabalho sua visão de mundo, sua inquietação existencial, sua razão de viver, suas esperanças.

Na série Gabirus, Xico faz da arte instrumento de denúncia, mostrando em bronze criaturas massacradas por condições sub-humanas de vida no Brasil, gente com carência alimentar e que, devido à subnutrição, tem seu desenvolvimento biológico comprometido. Ele desvela a solidão desses seres profundamente sofridos, desarmados e impotentes diante da realidade, como a figura da mãe com a criança morta ao colo.


Gabirus, bronze. Xico Stockinger. 1996

Gabirus. Xico Stockinger. 1996

De Vasco estão expostas algumas esculturas em mármore, bronze e madeira, centradas na figura humana, composta e decomposta em traços expressivos numa composição que perpassa o tempo. O ser humano com sua herança genética e cultural permanece através dos séculos. É o tema do escultor.

Acrólito. 1965/1994.
madeira e bronze.
Vasco Prado.
 
Acrólito, detalhe.

Iberê apresenta suas figuras sombrias e atormentadas, vocacionadas à solidão, à melancolia, ao sofrimento, com poucas frestas para a esperança (quase nenhuma).

Parece que, para Iberê, só pode haver magia e claridade nos pátios da infância. O resto é duro e áspero itinerário no desespero. Uma obra implacável com a condição humana.

Num país e num Estado onde a arte ainda é um luxo para muito poucos, é preciso saudar iniciativas como as da FIC em proporcionar acesso gratuito às exposições e outras atividades, o que confere um caráter social ao trabalho da instituição. Na sexta-feira havia muitos estudantes adolescentes fazendo visitas guiadas aos acervos. Recebiam informação e formação preciosas. A isso eu chamo esperança.

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photos: j.finatto

Iberê Camargo e a escrita da solidão:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2012/03/ibere-camargo-e-escrita-da-solidao.html