terça-feira, 17 de maio de 2011

Vivaldi e a noite fria de outono

Jorge Adelar Finatto


A vida é uma melancólica estação de trem onde todos estão só de passagem rumo ao esquecimento.

Escutava o Concerto em Mi Menor, "Il favorito", op.11. n. 2, andante, do veneziano Antonio Vivaldi (1678 - 1741) no começo desta noite fria de outono, de lua cheia, em Passo dos Ausentes. A música é muito sentimental, vai crescendo dentro da gente de um jeito calmo. Não sei por que, enquanto a ouvia, passei a recordar certos dias de outono na minha infância. A avó preparava doces, conversava e costurava. A casa de madeira de pinheiro ficava entre os plátanos, à beira do arroio.

O arroio tinha música viva. A bruma costumava andar a esmo nas redondezas e com ela o silêncio. Quando alguém abria a porta, um pouco daquela névoa entrava e tomava assento na sala, como um fantasma. O mundo era então um lugar muito pequeno.

Um dia a avó partiu na neblina, levando para sempre as costuras, as conversas, os doces. Não teve tempo de se despedir. A casa fechou-se como um coração que esfriou. Fui para a estação de trem. O que aconteceu depois foi uma longa história de partidas sem despedida.

A vida é uma melancólica estação de trem onde todos estão só de passagem rumo ao esquecimento.

__________

Foto: J. Finatto

Three poems

Jorge Adelar Finatto



Event

My face in the rain
in the wind
sad like a scarecrow

Evento
Minha cara na chuva
no vento
triste como um espantalho



Occupation

life is a horror that I allow myself

Ofício
 a vida é um horror que me permito



Tragedy

the moon has fallen over the crops

Tragédia
a lua caiu na plantação

__________

Poems from the book Viveiro, Edições Grupo Sanguinovo, São Paulo, 1981.
Foto: J. Finatto