segunda-feira, 15 de junho de 2015

Notas do insólito peregrino

Jorge Adelar Finatto

voo de cegonha. Salamanca, Espanha. photo: jfinatto


Um dia ganhei de presente uma caneta suíça de marca famosa. Fiquei muito contente pela lembrança e pela demonstração de afeto. E também porque é um objeto bonito e eu gosto de canetas que fazem companhia aos calepinos que estão sempre comigo.

Mas tem um problema: a caneta é cara. A alegria inicial fez-se receio: e se eu (que ando sempre com uma caneta enfiada no bolso da camisa) esquecer ou perder essa jóia em algum café, livraria ou na rua, como vai ser? Uma coisa tão valiosa.
 
Só de pensar nisso desisti de utilizar a nova caneta no meu dia-a-dia. Guardei-a no estojo e lá ficou quieta na escrivaninha do escritório. Quer dizer, não faz parte da minha realidade.

Não costumo andar atrás de objetos valiosos de grifes da moda. Não tenho temperamento nem disponho de dinheiro pra isso, pelo contrário.
 
Sinto-me no meu habitat no meio das coisas simples.
 
Cultivo, como a maioria, algumas fantasias. Uma delas é fazer viagens por mapas, livros e revistas de viagem. Viajo sem gastar um tostão. Foi nessa condição que fiz certa vez o Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha. As solas das minhas botas ainda conservam a terra daqueles passos andarilhos.
 
Em certos dias olho para as minhas botas e é como se estivesse lá outra vez. Encho os pulmões com a aragem dos campos e pomares da Galícia, revejo amigos peregrinos que encontrei pelo caminho. Pego a caneta do bolso (uma bem comum) e tomo notas no caderno de viajero, sentado num tronco caído na beira da estrada.
 
O fato de não ter trilhado, de verdade, os Caminhos de Santiago de Compostela não torna menos bela a minha viagem nem menos reveladoras as minhas anotações. Essa é a ventura de viajar no pensamento.  
 
E fico feliz toda vez que escuto o som inaudível das minhas botas pisando aquelas estradas de chão batido.
 
Essas botas invisíveis são a prova de que posso andar, quando quiser, por caminhos nunca antes navegados. Sou peregrino de espírito.

Os melhores caminhos dessa vida são os que trilhamos com a imaginação.