Quando eu era criança, tinha medo-pânico de cortar o cabelo. O drama se estendeu até os cinco anos mais ou menos. Era um medo primitivo, das cavernas, pavor ancestral dos raios e do trovão.
Quando o avô me levava ao barbeiro, na ruazinha central de Passo dos Ausentes, aquilo era um suplício.
Havia na cidade um homem que vivia na rua. Vestia sempre um casacão de lã, fosse inverno ou verão, tinha longos cabelos cor de cobre, uma cara amarrotada, chupada, fustigada pelo sol e pelo vento.
Sobrevivia ele com os trocados que ganhava pelas momices e mugangas que fazia aos passantes nas calçadas, onde instalava seu escritório de saltimbanco.
Sobrevivia ele com os trocados que ganhava pelas momices e mugangas que fazia aos passantes nas calçadas, onde instalava seu escritório de saltimbanco.
O nome dele era Paiuia.
Para amenizar a sessão de tortura, o avô contratava Paiuia para distrair-me junto à cadeira do barbeiro. Ele conseguia me acalmar menos pelos trejeitos que fazia do que pela sua feiura. Eu ficava impressionado com o fato de alguém tão feio ser ao mesmo tempo tão alegre.
Eu já não chorava nem sofria como antes, deixava o barbeiro fazer seu trabalho. Com sua arte humilde, Paiuia me consolava no sofrimento. Acaso não será esta a sublime missão de todo artista?
No dias difíceis, recordo com ternura de Paiuia, que não está mais neste mundo para me dar consolo com suas momices. Hoje percebo que a beleza que ele tinha era invisível ao olhar. Ele a carregava luminosa dentro da alma e com todos compartilhava generosamente.