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sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Para um álbum do futuro

Jorge Finatto

photo: jfinatto
 

COMO FOTÓGRAFO gosto de registrar as coisas da natureza. Flores, árvores, nuvens, rios, estradas de chão, montanhas, bichos: borboletas, passarinhos et alii. Fotografar é um caso antigo na minha vida. Só não é tão antigo como escrever. 

Não faço retratos. Deixo isso para Stefan Rosenbauer e Diane Arbus, mestres do ofício.
 
Olhando minhas imagens, percebo que parte dos ambientes que fotografei no passado se perdeu. Outra está a caminho da extinção. Assim como as pessoas que, eventualmente, aparecem nas imagens. 

As intervenções na natureza têm sido constantes e violentas, parece que nada pode detê-las. Em países onde a vida vale tão pouco, como no Brasil, a natureza nada significa.
 
Por mais que se fale em ecologia, preservação do meio ambiente, desenvolvimento sustentável e coisa e tal, a destruição ocorre modo contínuo em grande velocidade. Um exemplo: note-se o que acontece nas regiões de Gramado e Canela, que acompanho há mais de 40 anos. A explosão imobiliária transformou as duas cidadezinhas, substituindo as velhas casas, as flores e espaços verdes por prédios de concreto e ruas repletas de veículos.

O que havia de matas, pinheiros, variada fauna, córregos limpos e que se perdeu é incalculável. O turismo intenso modificou profundamente, para pior, a paisagem. Sequer construíram um belvedere aprazível entre elas para apreciar com calma as montanhas e o Vale do Quilombo.
 
A obsessão pela imagem é uma tentativa de reter um pouco do mundo que desaparece todos os dias. Fotos são recortes de um tempo e de um espaço que rumam rapidamente para o esquecimento. 
 
É preciso interromper ou pelo menos diminuir este processo. Do contrário, o que vai sobrar?

As próximas gerações viverão num ambiente no qual o mundo natural só existirá em velhas fotografias. Os fotógrafos da natureza não terão mais o que fazer.
 

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Rua sem sol

Jorge Finatto
 
photo: jfinatto
 
Os antepassados
negros e italianos
rasgaram o oceano
para que eu estivesse

aqui no futuro
olhando o fim de tarde
no horizonte dos muros

não possuo do imigrante branco
a esperança eldorada
nem a saudade triste do preto
em pranto mastigada

sou apenas um homem mestiço
olhando o movimento dos barcos

agora que a noite cai
sobre a cidade
e me surpreendo sonhando
com a fuga
por uma rua sem sol

________________

Do livro O Fazedor de Auroras, Instituto Estadual do Livro, Porto Alegre, 1990.
 

sábado, 31 de dezembro de 2016

A luz do novo tempo

Jorge Finatto
 
photo: Clara Finatto, Ipanema, Rio de Janeiro

AS IMAGENS de Clara Finatto nos remetem a um momento de rara beleza e emoção neste último dia do ano. As fotos são da praia de Ipanema no Rio de Janeiro. As pessoas estão reunidas olhando o pôr do Sol. Ao fundo, à direita, o Morro Dois Irmãos.

Clara conta que os admiradores aplaudem quando o Sol se põe. O mesmo fazem quando ele nasce lá longe sobre o mar, na linha do horizonte.

photo: Clara Finatto. Morro Dois Irmãos, Rio de Janeiro

O tempo leva tudo pela frente. Passa como o vento e não pede passagem. Atropela, arrasta a pobre criatura. Um ano não significa nada na vida de uma estrela, de uma montanha como Dois Irmãos. Mas na vida de um efêmero ser humano faz muita diferença. O que isso quer dizer? Que cada dia é um tesouro que não deve ser desperdiçado.

Olhando as imagens que a Clarinha colheu, percebo que a vida e o mundo são belos demais. Devemos agradecer sempre a oportunidade que nos foi dada.

Desejo a todos bons motivos para aplaudir o dia que se vai e o dia que nasce. Que cada um colha o que semeou em 2017. E que consigamos não levar tudo tão a sério. O riso é uma arma poderosa contra o desespero e o niilismo. Que possamos rir mais, apesar de tudo.

photo: Clara Finatto, Ipanema, RJ

Que haja mais justiça na distribuição do pão, da alegria, do amor, do bem-estar, dos bens materiais. Que todos tenham tempo para viver. E possam refazer a semeadura, caso tenham errado a mão.

Que Deus nos dê saúde para enfrentar os dias difíceis, para aproveitar os de júbilo, para repensar nossas prioridades. Possamos enxergar, ouvir e tentar entender as razões do outro (quando mais não seja, porque somos o outro do outro).

Luz pra todos.
 

sexta-feira, 6 de março de 2015

A história das bananas (e a tristeza do Brasil)

Jorge Adelar Finatto

photo: jfinatto
 
O que restou da esperança em um país melhor e mais justo? O que vemos, nos últimos tempos, é mensalão, petrolão, apenas para ficar entre os escândalos de corrupção mais noticiados.

Será que é isso o que a sociedade brasileira merece? O que será do futuro das nossas crianças e dos jovens diante de tamanha desestruturação ética e econômica?

Não tenho nem nunca tive partido político. Votei algumas vezes no PT, porque admirava sua generosidade e suas bandeiras, entre elas a da honestidade e a do combate às causas da pobreza e das injustiças. Muita gente boa fundou e construiu o partido, muita gente idealista, sonhadora, batalhadora. Mas o ideal daquelas pessoas ficou para trás.

Os tempos mudaram. O PT mudou para pior. É claro que não é só o partido do governo que levou o país a essa triste realidade, há também os outros partidos e todo o desvalor na maneira de fazer política.

Mas do PT se esperava, por históricas razões, um comportamento diferente, uma práxis política alternativa ao sempre foi assim.

O país cai cada dia mais fundo. Ver uma empresa como a Petrobras, orgulho do Brasil, nessa situação calamitosa é um negócio muito sério e deprimente.

O que vai sobrar da empresa estratégica criada por Getúlio Vargas e construída por várias gerações de trabalhadores? Restará alguma coisa aos brasileiros ou tudo será vendido ou simplesmente entregue para cobrir o descalabro gerado pela corrupção?

As conquistas sociais dos últimos doze anos vão desaparecendo diante dos abismos criados pela má gestão. Os efeitos nefastos sobre a economia mal começaram e já se revelam insuportáveis, atingindo principalmente os mais pobres.

Na casa em que fui criado havia algumas regras. Claras, simples, peremptórias: não matarás, não roubarás, não praticarás  falso testemunho, e outras. Os velhos e bons preceitos derivados dos Dez Mandamentos. Deles dimanavam normas de natureza caseira (casa de gente pobre e honesta): por exemplo, eu não podia apanhar bananas do aparador sem pedir autorização. Se o fizesse, o castigo era certo.

Exagero? Pode ser. Mas sou grato por isso. Nunca me passou pela cabeça apropriar-me de qualquer coisa que eu não conquistasse através do esforço, do trabalho, do sacrifício e do mérito.

Não consigo entender como é que alguns se sentem autorizados a lesar milhões e milhões de pessoas se apoderando de dinheiro que não lhes pertence, do que é patrimônio público de uma sociedade que precisa e merece ser respeitada.

Que tipo de educação receberam esses indivíduos, em que valores foram criados, quem foram seus pais? Como conseguem se olhar no espelho e para seus filhos?

Nessas horas, a gente precisa se agarrar em alguma coisa pra suportar. Eu me agarro à história das bananas.

Nos momentos de grave crise, como o presente, o que nos resta são os valores em que acreditamos.

A honestidade, a responsabilidade social e o amor ao país precisam, urgentemente, retornar às práticas do nosso dia a dia. Sob pena de não sobrarem nem as bananas no aparador.