Jorge Adelar Finatto
O trem está imóvel na gare deserta. Por ali os passageiros são invisíveis. De vez em quando o apito perdido da locomotiva pode ser ouvido no roçar do vento nas folhas dos plátanos. Durante o dia o silêncio monta guarda na estação abandonada. Nenhum bulício de viagem na plataforma vazia, nenhuma respiração.
photo: j.finatto |
O trem está imóvel na gare deserta. Por ali os passageiros são invisíveis. De vez em quando o apito perdido da locomotiva pode ser ouvido no roçar do vento nas folhas dos plátanos. Durante o dia o silêncio monta guarda na estação abandonada. Nenhum bulício de viagem na plataforma vazia, nenhuma respiração.
Juan Niebla, 85 anos, ocupa um banco no interior do terceiro vagão e
toca seu bandoneón nas terças, quintas e quando lhe dá na telha. Naquele vagão, funciona hoje o Café dos Ausentes. O músico cego relembra os tempos em que recebia os
viajantes com música.
A cidade então não era o território de fantasmas que hoje é. Gente chegava, gente partia, gente chorava, gente sorria. Havia vida nas casas, nas poucas ruas, na praça e na estação.
A cidade então não era o território de fantasmas que hoje é. Gente chegava, gente partia, gente chorava, gente sorria. Havia vida nas casas, nas poucas ruas, na praça e na estação.
A cidade ficou ilhada em si mesma no dia em que acabaram com
o transporte ferroviário. Muitas viagens ficaram interrompidas,
muita gente foi embora em busca de um futuro melhor.
Da estação de trem de Passo dos Ausentes se saltava rumo ao
universo.
- Eu estou aqui esperando a próxima composição de passageiros.
Quando chegar, quero estar no meu posto, tocando o bandoneón. Para isso fui contratado em 1943. Essa estação ainda vai
ter vida de novo um dia – diz Niebla.
Pode ser. Provisoriamente o presente está oco. Mas nada,
nenhum homem, nenhum governo e nenhuma barbaridade como o fim da ferrovia conseguem enterrar as coisas boas que foram um dia e muito menos matar o
amanhã.
Há algo que pulsa nas ruínas silenciosas dessa cidade, algo que insiste em sobreviver, um sentido de permanência na memória e no afeto dos poucos que ficaram.
Há algo que pulsa nas ruínas silenciosas dessa cidade, algo que insiste em sobreviver, um sentido de permanência na memória e no afeto dos poucos que ficaram.
Em certas madrugadas, ouve-se ao longe o ruído das rodas de aço
sobre os trilhos avançando em direção à cidade. De súbito as luzes da estação
se acendem.
A velha locomotiva treme sobre os dormentes, expele fumaça pela negra chaminé, apita como se tivesse recém chegado de uma longa viagem. Ninguém consegue
entender o que acontece. Ninguém ousa se aproximar, todos observam à distância.
Escuta-se um burburinho de sombras na plataforma. As vozes se misturam, vultos se projetam nas janelas.
Escuta-se um burburinho de sombras na plataforma. As vozes se misturam, vultos se projetam nas janelas.
Num instante as luzes da estação se apagam novamente. O silêncio da noite toma
conta do lugar outra vez.
O vento toca as flores das magnólias. Um gato volta a
dormir no banco da gare vazia.
__________________O tecido da tua ausência:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2012/12/o-tecido-da-tua-ausencia.html