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terça-feira, 24 de novembro de 2015

Babel, rádio com alma, do Uruguai para o mundo

Jorge Adelar Finatto
 
 
Sou um bom ouvinte de rádio.  Não consigo nem quero abandonar este meio de comunicação. O rádio está na minha vida desde a infância. E na minha infância, no século passado, não havia ainda televisão lá em casa, era algo novo que só existia nas cidades grandes. Passo dos Ausentes, como sabem, fica no fim do mundo, graças a Deus.
 
Quando estou em viagem, como agora, procuro na cidade estrangeira uma rádio para ouvir no quarto de hotel. Por exemplo, em Buenos Aires descobri a Rádio Amadeus, 104.9, FM, de que gosto muito. Em casa, costumo ouvi-la no computador.
 
Em Montevideo, encontrei agora a Rádio Babel, 97.1, FM, do Ministério da Educação e Cultura do Uruguai. Já salvei o endereço no computador. Uma rádio de cultura, de boa música e boas informações nas 24h.
 
A seleção musical é de altíssima qualidade e variada, do jazz à música erudita, passando pela música local de Uruguai, Argentina e Brasil, sobretudo instrumental. Há um trabalho de pesquisa que nos remete a gratas revelações. A locução é breve e elegante.
 
De tal modo que, ao escutar esta rádio, tenho a impressão de estar vivendo num mundo melhor, mais belo e refinado, com uma alma e uma delicadeza que nos faltam no mundo real.
 
A Rádio Babel é um refúgio espiritual em meio ao caos.

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Babel FM, Uruguay
http://www.babel.com.uy/babel.html 
 

sexta-feira, 20 de junho de 2014

O aborto e o Papa

Jorge Adelar Finatto
 
photo: jfinatto, janeiro, 2010
 
O presente artigo foi escrito e publicado em março de 2010. Pelas questões que suscita, republico-o, acreditando que vale a reflexão sobre um tema tão importante quanto delicado. Observo que em dezembro de 2012 o Uruguai aprovou a lei que autoriza a interrupção voluntária da gravidez no prazo de até doze semanas de gestação ou 14, em caso de violação. Foi o segundo país a descriminalizar o aborto na América Latina; o primeiro foi Cuba.
 
A frase na parede de um prédio público, quase à beira do Rio da Prata, me fez parar sob um sol forte, a poucas quadras do belo e tradicional Teatro Solis, em Montevideo, em janeiro passado.
 
O Uruguai é um país de gente que lê, opina, discute, participa. O que me motivou a fotografar?
 
Primeiro, o argumento. Se o Papa fosse mulher, uma papisa, portanto, a questão do aborto teria mesmo outro tratamento? Será que a compreensão do problema do aborto é uma questão só de gênero?
 
Segundo, eu não tenho opinião definitiva sobre o assunto e não faço julgamento moral a respeito. O que eu queria é entender.
 
O grafite montevideano expressa a opinião de milhões e milhões de mulheres no mundo inteiro.

O aborto é, com efeito, uma questão de gênero. Mas não só. Gerar ou não uma vida no próprio ventre é, em boa medida, uma decisão da mulher, por diversas razões.
 
A rejeição da gravidez ou a omissão dos homens em relação ao fato é uma delas.
 
A legalização do aborto é uma das faces de um problema maior, mas está longe de ser a principal.
 
A afetividade, a sexualidade e a responsabilidade pela geração da vida estão intimamente ligadas. Fazer sexo, sexo casual, é diferente de fazer amor.
 
A indústria da propaganda, em geral, separa o corpo e o sexo do resto. Existem corpos lindos, mas não existe espírito nesses corpos.
 
Corpos maravilhosos de mulheres são utilizados para vender qualquer coisa. O mesmo também acontece agora com corpos masculinos.
 
A erotização começa na infância, através dos comerciais, filmes, programas, séries e novelas de televisão.
 
Coisas como compromisso nas relações, autoestima, estima e respeito pelo outro são tratadas de maneira residual.
 
Em vários países o aborto foi legalizado.
 
No Brasil, a discussão permanece e sua prática ainda é crime, salvo nos casos em que não houver outro meio de salvar a vida da gestante e quando a gravidez resultar de estupro (desde que precedido de consentimento da gestante ou de seu representante legal).
 
Dizem os defensores da legalização que mulheres pobres, que não querem mais ter filhos, muitas vezes são levadas a fazer aborto em condições sub-humanas, longe do sistema público de saúde, com elevado índice de letalidade, enquanto mulheres com boas condições econômicas pagam por procedimentos particulares e recebem melhor atendimento.
 
Informação do Ministério da Saúde estima em 1,4 milhão de abortos clandestinos no Brasil por ano, conforme dado colhido do site Themis, Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero, de Porto Alegre.
 
Dizem também os defensores do aborto que a mulher tem o direito de dispor do próprio corpo.
 
Os que são contra a autorização afirmam que a mulher não pode interromper uma vida que já não lhe pertence, mas é de outra pessoa depois da concepção.
 
Eu não sou especialista no assunto, mas também não sou hipócrita.
 
O aborto é um tema a ser tratado por toda a sociedade, mulheres e homens.
 
Tratado, sim, mas num espectro mais amplo do que a mera legalização, que, pelo que vejo, acabará acontecendo.
 
Está na hora de pensar a sexualidade humana de modo mais responsável, penso eu. Isso é mais do que simplesmente distribuir milhões de camisinhas (preservativos) no carnaval e achar que está tudo certo (como órgãos de saúde pública costumam fazer no Brasil).

Creio que se faz necessário criar redes de apoio a gestantes, substituindo a ameaça da criminalização pelo diálogo acolhedor, pela orientação assistencial. E o Estado deve preparar o sistema de saúde para receber e tratar situações de aborto a fim de evitar que tantas vidas sejam perdidas ou mutiladas,
 
Este grafite na parede de um edifício, em Montevideo, sob o sol escaldante do Rio da Prata em janeiro de 2010, me fez parar e tentar entender.

 
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Texto atualizado, publicado anteriormente em 9 de março, 2010.

sábado, 14 de dezembro de 2013

A rua antiga me atravessa

Jorge Adelar Finatto
 

photo: j.finatto.Colonia del Sacramento, Uruguai


A vida se esconde na rua antiga.
A saudade mora aqui desde muito antes do mundo ser inventado.
Os passos dos seus habitantes se ouvem na longínqua estrela.
Quem nos vê, quem nos vale nesse labirinto?
A vida inteira no postigo.
Tantas coisas eu sonho.
Tantas coisas eu sinto.
As pedras da rua antiga são diamantes cravados no oblívio.
O tempo escorre nessas janelas feito lágrima.
Ninguém vê essa cicatriz aberta na face do planeta.
Calado observador do fim do mundo.
A rua antiga me atravessa.


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Texto atualizado, publicado em 28/05/11.