quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

A Vênus de Milo

Jorge Finatto

Vênus de Milo, Museu do Louvre, Paris. Fonte: Wikipédia.
Autor: Mattgirling
 

DE ALGUMA FORMA me reconheço nela. Somos pães da mesma fornada. Deve ser isso, ou algo assim. O tempo que nos tocou viver juntos nessa passagem terrestre. Antes de desembarcar no planeta alguém colocou o carimbo na minha testa: vai precisar viver com ela.

Ela, estrela do meu caminho. Eu precisava desesperadamente dela ao meu lado desde muito antes de aqui desembarcar. Vim nem sei de onde. Aí um dia ela surgiu, um dia, no cerne da escuridão. O dia da minha sorte.

Um sol no inverno, uma iluminação. Nunca precisei de aventuras românticas pra me justificar. Precisava dela pra me ligar ao mundo, pra respirar, pra tornar a vida possível. Só isso. Um elo de afeto, uma nesga de ternura neste mundo de barbaridades.

Ela, estrela aberta. A corda que segura o astronauta quando está fora da nave, flutuando no sombroso léu. Do contrário me pulverizava.

Você me compreende, ou talvez não, diz que sofro de mutilação do ser-no-mundo, que sou triste-fraco. A palavra da moda é resiliente. Pode ser, pode não ser. Cada um sabe onde viver lhe dói. Abismos do coração. As faltas no interior da pessoa.

A Vênus de Milo é bela e eu amo. Mas não é mais bela que essa mulher. Está escrita na alma minha.