A trevosa sintaxe da vida. Nas almas a escuridão cativa.
Fugidias imagens me perseguem. Nos urdimentos do bandoneón, busco outras claridades. Viver longe do abismo, no vero amanhecer, eu busco.
Eu, Juan Niebla, venho do neblinoso. Trouxe o calepino?
Eu, Juan Niebla, venho do neblinoso. Trouxe o calepino?
Tenho andado pela vida à procura de luz. Essa que vem de dentro. A escuridão está por toda parte, principalmente nos corações.
As trevas-mestras sustentam o mundo.
Bem-vindo o que vem em paz e desarmado. Os regulamentos da amizade eu cumpro. A minha casa está sempre aberta ao que chega sem falsidade. Vivo os bons momentos da minha música. Nos enquantos, porque amanhã é escuro no alto e no fundo. Anote, por favor.
A treva foi inaugurada com a luz principial.
Isto é demanda antiga lá do céu. A velha contradição, o bem contra o mal. A luta imemorial. Mas também os complementos, um talvez não existe sem o outro. Sei lá o que digo. Estou exausto disso tudo.
Em termos de arriscada filosofia, caminho em beira de precipícios.
A maldade não tem sala na minha casa. Sou músico de bandoneón e antiga memória, na estação de trem abandonada de Passo dos Ausentes.
Espero com o ouvido a chegada do invisível trem. Cego desde os 16 anos, sim, senhor. O resto é o breu e se dissipa quando toco meu instrumento no velho banco.
A vida é dura? Pra completar, é breve. Somos um ato-falho da criação.
Sou homem de fé, Deus me perdoe. Se vive. Fazemos o que é possível, às vezes muito menos, às vezes pouco mais. Quase tudo é retórica para o distinto público. Quem nas alheias falas se reconhece.
Somos ferida em carne viva, vivo pensamento. Se vive. Está anotando?
Somos ferida em carne viva, vivo pensamento. Se vive. Está anotando?
O certo é que, na vida como na arte, a gente fracassa sempre. Falta aquele grito, aquela palavra, aquela revolta na hora certa, o remate contra a escuridão, aquilo que não foi dito nem lembrado.
A expressão clara, pura emoção. Os impossíveis.
A expressão clara, pura emoção. Os impossíveis.
O ora-veja, em assunto de arte, só a divina obra tem. Deus é artista caprichoso, no atacado e no miúdo, como outro igual não há. Conseguiu escrever?
Pediram-me um ensaio falado sobre as cores remotas do outono. Mas eu só sei, só vejo o que sinto.
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Juan Niebla é músico em Passo dos Ausentes. Admitido por concurso público, ocupa o cargo de músico municipal desde 1943. Toca bandoneón na estação de trem abandonada da cidade. Tem 87 anos, é cego desde os 16.
Texto atualizado, publicado anteriormente em 23 de março, 2011.