segunda-feira, 20 de julho de 2015

Ruas da minha aldeia

Jorge Adelar Finatto

photo: jfinatto

 
Na tarde de inverno, caminho pelas ruas adormecidas de Passo dos Ausentes.

Uma garoa fina penetra até a alma. O dia amanheceu nevoento e gelado. As calçadas cobertas de folhas secas. Eu vou andando, misturo-me com elas, abro caminho na névoa.

A fumaça dos fogões a lenha sobe lentamente nas chaminés. Não me deixa esquecer quem sou: um homem que nasceu nas montanhas e que, ainda na infância, delas foi desterrado por acontecimento de morte na família.
 
Muito tempo depois, o regresso para a Serra. Mas a maior parte das pessoas e das coisas que eu amava não existia mais.  A velha casa tinha habitantes mortos. De alguma forma, tinha de aprender a conviver com os voláteis para reencontrar os seres amados.

Não sou arqueólogo do oblívio. A escavação do tempo extinto não me interessa, senão pela invenção e pela travessia do esquecimento. Não vou revirar escombros.
 
Sei lá o que resta pulsando em segredo no sótão, porão e implúvio.

A garoa insistente escorre pelos muros e paredes.  
 
Vou por aí sem desespero, como essas folhas sem peso soltas no ar.
 
O sol abraça os vivos à flor da terra. Passo diante de portas e janelas silenciosas. Sinto o aroma de pão feito em casa. O cheiro de lenha sai das chaminés sobre os telhados úmidos.

Sou passageiro eventual de um dia que se aquece ao sol tênue do inverno. Trago essa luz acalentando o coração, o chapéu e o capote.
 
Não quero a melancolia das horas findas. Ao menos não agora, ao menos não nesse momento luminoso, nessa tarde tão fria, o sol escondido atrás do alvo tecido das nuvens.