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segunda-feira, 30 de março de 2020

Desviando do vírus

Jorge Finatto
 


O desejo de visitar Arles e Saint-Remy, na Provence, nasceu em 2014. Em setembro daquele ano o Museu VAN GOGH, de Amsterdam, publicou em seu facebook o meu poema "Composição", do livro O Fazedor de Auroras, editado pelo Instituto Estadual do Livro em 1990. Fiquei muito feliz e admirado. E tinha motivo: colocaram como "ilustração" do texto a pintura "Jardin de Saint-Paul de Mausole", de Van Gogh.
 
O poema é uma homenagem a Van Gogh e uma declaração de amor à pintura. Pois bem, no início desse mês, descansando uns dias em Lisboa, depois de percorrer a Suíça, Alemanha e Áustria, tinha viagem programada a Marselha. Do aeroporto iríamos - Izabel e eu - de trem a Arles, onde o pintor realizou a culminância de sua obra. Aí incluídas as pinturas feitas no Monastério-sanatório de Saint-Paul de Mausole, em Saint-Remy, onde viveu e se tratou entre maio de 1889 e maio de 1890.
 
Ocorre que o famoso coronavírus Covid-19 tinha chegado lá antes de nós. Um dos aeroportos mais movimentados da França, resolvemos não correr o risco de ser contaminados. Desviamos a rota e acabamos nos Açores (outro sonho antigo).
 
Desistimos? Claro que não! Iremos atrás de Van Gogh depois que a tempestade passar. E vamos sentar nesse jardim onde, um dia, ele esteve com seu cavalete e criou este quadro com a paleta encantada.
 

segunda-feira, 18 de junho de 2018

As mãos de Van Gogh

Jorge Finatto

photos: jfinatto, 2018, Kunsthaus Museum, Zürich

NO DETALHE, a força e o poder da pincelada de Van Gogh. O quadro é Le cyprès et l'arbre en fleurs ( O cipreste e a árvore em flor, imagem abaixo) da coleção do Kunsthaus Museu, em Zurique, na Suíça. A espessura do traço, sua intensidade, profundidade, largura, ondulações e cores nos dão uma ideia do esforço do artista em sua luta solitária com a tela.

Ele pintava rápido, às vezes mais de um quadro por dia, e essa produção o levava muitas vezes à exaustão física e mental. Tinha urgência em criar, em deixar um legado e um testemunho de sua passagem. Ele cuja obra contava com poucos admiradores além do irmão Theo. Ele que foi muitas vezes considerado um pária.

O reconhecimento consagrador no Salon des Indépendants, em Paris, março de 1890, no final da vida, pouco significou. O sonho havia se partido. O artista pobre, doente, sensível e temperamental se esfacelou contra o paredão da realidade. Fez da pintura sua razão de viver. A arte foi seu território de luta e sobrevivência. A criação venceu a estupidez e a indiferença. A obra de Van Gogh habita o sublime.


O Kunsthaus foi inaugurado em 1787 e merece uma visita de dois dias pelo menos. Passei lá algumas horas numa tarde e foi pouco para conhecer seu rico acervo com obras de Rodin, Paul Klee, Picasso, Monet, Cézanne, Alberto Giacometti e tantos outros clássicos. Mas o pouco que vi, vi com calma, e fotografei (sem utilizar flash, conforme regra da casa). O pessoal do museu é gentil, as instalações são ótimas e a gente sai de lá querendo voltar um dia.
 

segunda-feira, 24 de julho de 2017

Van Gogh vai ao café

Jorge Finatto

quarto de Van Gogh no Auberge Ravoux. photo: jfinatto
 
Um dia ou outro eu acho que vou encontrar uma maneira de fazer uma exposição em um café.
Vincent Van Gogh em carta ao irmão Theo, de 10 de junho de 1890.
 
AUVERS-sur-OISE é uma pequena cidade nos arredores de Paris. Atravessada pelo rio Oise, é um lugar tranquilo onde se caminha pelas ruas em paz. Uma cidade interiorana, aprazível. Mas há algo que a destaca no conjunto das cidadezinhas francesas. Foi nela que um dos maiores pintores da humanidade viveu seus últimos dias.
 
Quando estive lá, em duas ocasiões num intervalo de cinco anos, minha intenção era me aproximar dos passos de Van Gogh naqueles ambientes em que realizou cerca de 75 obras-primas.
 
Entre os lugares em que trabalhou em Auvers, nenhum me tocou mais fundo do que o campo de trigo no alto da cidade. Ali pintou, entre outros, o Trigal com corvos, uma das últimas pinturas. Entrei no seu quarto, no sótão do Auberge Ravoux, e senti a imensa solidão daqueles 7 metros quadrados. Era o quarto mais barato da estalagem, sem janela, tendo como única abertura uma claraboia. Mudou-se para lá em 20 de junho de 1890.

Da profunda solidão, da pobreza e da rejeição social, nasceu uma das obras pictóricas mais sublimes e poderosas já produzidas em todos os tempos. Não à toa costumam dizer que ele libertou as cores.

V. Gogh. quadro La pluie (a chuva). photo: jfinatto
  
Van Gogh foi incompreendido na sua época como o seria hoje. Não se sustentava, não teve um emprego tradicional, não conseguiu encontrar uma mulher nem constituir uma família. Viveu de léu em léu, ao desamparo, sem uma alma para se consolar. Um atrapalho para a família e um estorvo para a sociedade. Um espírito de luz vivendo em meio a seres primitivos, mesquinhos e violentos.

A vida só não lhe restou mais trágica porque contou sempre com a ajuda material e a solidariedade moral de Theo, irmão mais moço, que foi seu cálido confidente, conforme demonstram as centenas de cartas que trocaram. Vendeu apenas um quadro em vida, Vinhedo vermelho. Vestia-se com roupas surradas. Com o chapéu de palha, parecia um espantalho. Por não ser um "normal", foi alvo de zombaria e escárnio em todos os lugares onde morou

Existia, ao lado do homem genial, um temperamento difícil e a doença que o levava a crises psíquicas que o torturavam e faziam sofrer os que o cercavam. Até hoje ninguém sabe o que era.

Van Gogh estava longe de ser um artista interessado apenas na pintura. Era um pensador lúcido que leu os autores mais importantes de seu tempo e os antigos. Era um indivíduo culto.

túmulos de Vincent e Theo em Auvers. photo: jfinatto
 
A biografia mais recente e exaustiva concluiu que não se matou com o tiro no abdômen.* Alguém, cuja identidade ele não quis revelar no leito de morte, atirou contra ele. Os autores do livro chegam a dizer o nome do suposto agressor, um que fazia parte do grupo de jovens com quem o pintor encontrou-se algumas vezes no período de pouco mais de dois meses em que viveu em Auvers. Morreu em 29 de julho de 1890, no quarto minúsculo, nos braços do irmão Theo. Ambos estão sepultados lado a lado no cemitério da cidade.
 
Quando fiz as fotografias que integram a exposição O último quarto de Van Gogh não tinha a menor ideia de que um dia faria uma mostra sobre este tema. Como sempre faço, fui fotografando na base do sentimento, da intuição. O resultado poderá ser visto a partir desta terça, 25 de julho de 2017, no Café do Porto, na Rua Padre Chagas, bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre.
___________

*Van Gogh, a vida. Steven Naifeh e Gregory White Smith. Tradução de Denise Bottmann. Companhia das Letras, São Paulo, 2012.


terça-feira, 11 de julho de 2017

Un amore

Jorge Finatto

Borboletas e papoulas. Van Gogh
Van Gogh Museum, Amsterdam

La speranza di pure rivederti                             
m'abandonava.                                                          
                          Eugenio Montale


No mais remoto deserto
- o sal e o labirinto do tempo
amadureço o poema

E parece que para encontrar-te
tinha de perder-te um dia

Colho no caminho as pétalas
da rosa que não te dei
e distraída desfolhaste

 ________

Poema do livro O Fazedor de Auroras, JFinatto, Instituto Estadual do Livro, Porto Alegre, 1990.
A esperança de ver você de novo me abandonava, tradução livre do verso de Montale.

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Caderno de inéditos de Van Gogh

Jorge Finatto

A casa amarela (Arles), Van Gogh, Museu Van Gogh, Amsterdam

A grande notícia da última semana foi a descoberta de um caderno com desenhos inéditos do pintor holandês Vincent Van Gogh (1853 - 1890). O anúncio foi feito há poucos dias pela editora francesa Éditions du Seuil.
 
Encontrado recentemente, a editora não precisou o número de desenhos existente no carnet. Assegurou, no entanto, que sua autenticidade foi verificada por especialistas.

O  conteúdo será publicado em novembro, em vários países, com o título de Vincent Van Gogh, Le brouillard d’Arles, carnet retrouvé (Vincent Van Gogh, A névoa de Arles, caderno reencontrado).
 
Bernard Comment, responsável pela publicação, asseverou que ninguém, além do proprietário, da editora e dele próprio, tinha conhecimento da existência desse material. "É espantoso, fulgurante", declarou à AFP.
 
Morto na miséria aos 37 anos, em Auvers-sur-Oise (França), em 1890, Van Gogh é um dos pintores mais importantes de todos os tempos.  Portrait du Dr. Gachet (1890) atingiu 82,5 milhões de dólares num leilão da Christie’s de Nova Iorque em 1990; em maio do ano passado, L’Allée des Alyscamps foi adquirida por 66 milhões de dólares num outro leilão.

Van Gogh criou uma obra original e maravilhosa, oposto de sua existência repleta de crises psíquicas, afetivas e materiais. A solidão foi o pano de fundo da vida deste artista genial e incompreendido, que legou à humanidade um patrimônio espiritual sem igual na história da pintura.

Sabe-se lá as maravilhas que haverá neste caderno, não só em desenhos como em anotações. Van Gogh escrevia com raro talento e profundidade, conforme se vê de suas numerosas cartas ao irmão Theo.

Para os que amam sua pintura e admiram o ser humano que foi, como eu, a descoberta do caderno tem valor inestimável e é motivo de grande emoção.

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Post com base em informação publicada pelo jornal Público de Portugal:

sábado, 21 de novembro de 2015

Van Gogh na Peatonal Sarandí

Jorge Adelar Finatto
 
photo: site Galería Ciudadela, Montevideo¹

Caminhando ontem pela Peatonal (rua de pedestres) Sarandí, em Montevideo, vi uma escultura na Galería Ciudadela que, à distância, me chamou a atenção. Aproximei-me da vitrine. Já era por volta de 19h, a galeria estava fechada. Procurei o melhor ângulo para fotografar. Nesse momento me dei conta de que se tratava de uma escultura de Van Gogh (250 x 122 cm).
 
Olhando os detalhes, percebi que estava diante de uma bela obra de arte. Feita com ferro e madeira, revela uma grande maestria do escultor. Impressiona a construção dos traços e do olhar de Van Gogh, reunindo técnica e emoção.
 
photo: jfinatto, Galería Ciudadela, 20/11/15
 
É admirável como o artista conseguiu tal resultado usando materiais como pés de bancos e cadeiras, pedaços de venezianas e peças de ferro variadas, que provavelmente eram sucata que ele recolheu e transformou em arte. O refinamento do trabalho é notável.
 
De volta ao hotel, pesquisei no site da Galería Ciudadela (espaço de arte imperdível em Montevideo, localizado na Ciudad Vieja) quem era o artista. Trata-se de Javier Abdala, montevideano nascido em 1971, que é professor no Instituto Escola Nacional de Belas Artes, da Universidade da República do Uruguai. No site do artista, veem-se outras imagens de sua rica obra.²
 
Estou encaminhando este post ao Museu Van Gogh de Amsterdã. Eu, se pudesse fazer uma sugestão à direção do museu, recomendaria a aquisição desta escultura para integrar o seu acerco. Por rara, criativa, única.
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¹Galería Ciudadela:
 
² Javier Abdala
 

segunda-feira, 6 de abril de 2015

O passarinho na amendoeira em flor de Van Gogh

Jorge Adelar Finatto

Amendoeira em flor. pintura de Van Gogh, 1890. Van Gogh Museum
 
Não sei se fui eu que desisti da literatura ou se foi ela que desistiu de mim. Só sei que faz muito tempo. O fato é que cansei de bater numa porta de sombra impossível de abrir e que, no dia em que se abriu, revelou um castelo vazio, cheio de fantasmas e esqueletos de musas atirados em soturnas escadarias.

Eu não gosto de fantasmas nem de ossadas. Meu interesse literário se resume aos velhos livros que amo, e aos novos que vou encontrando pelo caminho. Trago comigo a dor antecipada pelos livros que não terei tempo de ler. O meu sentimento é este. Diante disso, prêmios literários e exposição midiática nada significam. Escrevo na medida da minha necessidade de expressão ou apenas na esperança de olhar para o que escrevi, tempos depois, e dizer: Ah, mas isto aqui  acho que ficou bem.

Um texto dos confins da alma num momento fugaz. Para ter prazer em revelar e ser por ele revelado. Se alguém gostar, seja bem-vindo. Se não gostar, seja bem-vindo também. O que vale é a palavra e sua tentativa de comunicação entre duas pessoas: a que escreve e quem lê. O leitor, aliás, é aquele que realmente dá sentido a todo o processo.

A palavra, e nossa alegria nela desvelada. Palavra escrita no gosto do primitivo artesanato. Para o instante valer a pena. Uma espécie de memória do farelo. O resto é silêncio das cavernas oceânicas.

Solidão da folha em branco que cai da árvore do pensamento. O que muitos entendem por literatura já não me interessa. Mais vale o passarinho cantando no galho da amendoeira em flor de Van Gogh. Eu escutando.
 

terça-feira, 17 de março de 2015

O balão e os girassóis

Jorge Adelar Finatto

photo: jfinatto

Uma criatura mortal  não pode dar-se ao luxo de perder tempo com coisas que não valem a pena. A areia não pára de escorrer na ampulheta. Cada dia pode ser o último.

Não se deve repetir velhos erros. Foi por isso que, tempos atrás, desisti de dar a volta ao mundo num balão ao lado de Nefelindo Acquaviva, inventor e construtor de objetos voadores em Passo dos Ausentes. Sou um sobrevivente nesse tipo de voo e não quero arriscar mais.

Há duas semanas, contudo, repeti a besteira e quase morri.
 
Entrei outra vez num balão a pedido de Nefelindo. Ele foi tão insistente e eu tão fraco que, para não contrariar o louco amigo, não soube dizer não. E lá me fui ao ar, mais uma vez, num cesto instável, a bordo daquela estrovenga.
 
Estávamos a mil metros de altura e tudo parecia bem. Até que veio um forte vento do Contraforte dos Capuchinhos e começou a nos arrastar e sacudir. Eu pressenti ali o fim dos meus dias. Não os de Nefelindo, que já sofreu mais de quarenta quedas e está aí muito bem, obrigado.

Com a ventania, sentei-me no fundo do cesto e rezei. Me arrependi dos pecados, dos dissabores que causei, das vezes em que não fui melhor com meu semelhante, das vaidades e dos tantos enganos.

Enquanto me apressava em acertar as contas com o Eterno, o balão começou a rodopiar e afundar como uma rolha solta num tanque de lavar roupa que se esvazia. Naquele tormento perdi meus óculos de fundo de garrafa. De repente comecei a ver umas cabeças amarelas me olhando na boca do balão enquanto o aerostato se arrastava e batia em coisas que pareciam cordas.

Nefelindo gritava e ria (sim, ria às gargalhadas como um louco em surto), ao mesmo tempo em que tentava manusear os instrumentos de direção do equipamento. Momentos antes de o balão bater contra o solo, ele despencou de cabeça pela borda. Só vi as pernas desaparecendo no ar, seguindo o resto do corpo.

photo: jfinatto

O baque do balão no chão foi forte. A muito custo saí me arrastando do cesto emborcado. Quando enfim abri os olhos, o que vi foi um amarelo radiante inundando o ar.

Nefelindo apareceu como por milagre na minha frente e me ajudou a levantar. Não sei como, mas estava vivo, cheio de folhas amarelas pela roupa:

- Uma experiência inolvidável, meu amigo, um voo inesquecível. Tudo como havia previsto,  inclusive com a perigosa travessia do Vento Roncador de março. Um momento soberbo. Essa máquina é uma conquista da ciência aeronáutica, meu caro. Toma lá os teus óculos, te apruma enquanto faço algumas anotações.

Os meus óculos estavam com os aros retorcidos, mas as lentes permaneciam intactas. Então Nefelindo retirou do bolso do casacão de aviador (que lhe desce até os tornozelos) o Moleskine vermelho. Livrou-se do capacete de couro da Primeira Guerra Mundial (de um seu avô). A abundante cabeleira negra escorreu até os ombros. Sentou-se encostado no que sobrou do balão e começou a escrever e resmungar coisas.

- Um grande acontecimento, uma aventura impressionante -, conjecturava alisando o grosso bigode virado pra cima nas pontas. Mostrava uma energia difícil de entender num homem de 70 anos.

A queda vertiginosa sobre uma plantação de girassóis, no Vale do olhar, com a mão de Deus nos amparando, foi o que restou daquele passeio. E o maluco se vangloriando. Sobrevivemos porque Deus quis.

Só mais tarde, um pouco mais calmo, percebi a beleza daquele lugar. Estávamos cercados de girassóis dentro de um quadro de Van Gogh.

- Um cara na sua idade, tendo levado já tantas sacudidas na vida, não devia permitir-se essas loucuras ao lado de um sujeito perigoso como Nefelindo Acquaviva - disse com preocupação meu Anjo da Guarda.

Um Jeep foi nos buscar. Quando cheguei em casa, às cinco da manhã, com uma dor latejante espalhada pelo corpo, atirei-me no sofá do escritório, enrolei-me na manta e pedi ao meu Anjo da Guarda, entre envergonhado e exausto,  não me acordasse antes da Páscoa...

Um girassol não faz amarelo sozinho.
 

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Van Gogh e o negócio da arte

Jorge Finatto
 
Jarra com margaridas e papoulas. Van Gogh, 1890
 
Dizem que na pintura não se deve procurar nada, nem nada esperar, além de um bom quadro e uma boa conversa e um bom jantar como felicidade máxima, sem contar os incidentes menos brilhantes.
Vincent Van Gogh, maio, 1890.¹ 

A vida é um negócio impossível de entender às vezes. Quem gosta de ver justiça no mundo não raro se frustra e perde a graça. Vivemos num planeta habitado por mastodontes ferozes e egoístas.

Leio no jornal que no dia 4 de novembro de 2014, em Nova York, a Sotheby's vai leiloar a pintura Jarra com margaridas e papoulas. Van Gogh fez este trabalho na pequena cidade de Auvers-sur-Oise, perto de Paris, poucas semanas antes de morrer. A notícia informa que o lance inicial não poderá ser inferior a 23,6 milhões de euros, estimando-se que deverá atingir "facilmente" os 40 milhões.

O quadro pertence a "uma importante coleção europeia" e teve antes outros proprietários. Observo que este leilão é só mais um passo no itinerário milionário do comércio que envolve as obras do mestre holandês. O anúncio diz ainda, suponho que para emprestar um tom dramático ao leilão e aumentar o valor do objeto, que as flores teriam sido colhidas pelo pintor no lugar onde, poucos dias depois, viria a suicidar-se.

Trata-se de uma colina na qual Van Gogh pintou também o famoso Trigal com corvos, nas cercanias do cemitério interiorano onde está enterrado ao lado do irmão Theo. Estive lá pela primeira vez em 2002.

Pode ter colhido ali as flores, está bem. Mas de onde veio essa "informação"? Reli as cartas que escreveu a Theo na época e não encontrei referência às tais flores (ele costumava comentar detalhes das pinturas com o irmão).

Quanto ao suicídio, é hipótese praticamente descartada. Conforme minudente análise feita no livro Van Gogh, a vida², tudo indica que o tiro que o matou foi disparado, acidentalmente ou não, por um jovem de Auvers que costumava incomodar o pintor. O desentendimento que levou ao tiro nunca restou esclarecido. Cansado de viver e não querendo causar problema ao agressor e sua família, Van Gogh teria inventado a versão do suicídio horas antes de morrer.

Mas o que eu quero considerar é a brutal ironia das coisas. Van Gogh morreu em rigorosa miséria afetiva e material aos 37 anos, em 1890. Dizem que vendeu um único quadro em vida, A videira vermelha. Teve de seu neste mundo somente a roupa do corpo, velha e surrada, um chapéu de palha e outro de feltro, um cachimbo, uns poucos livros e materiais de pintura, tudo custeado pelo irmão mais novo, Theo, que o sustentou, amorosamente, até o fim.

Morreu num obscuro quarto do Auberge Ravoux, sem janela e com apenas uma mesa, um armário embutido e uma cadeira de palha.

Uma claraboia deixava entrar um sopro de luz no solitário ambiente. Deitado na cama de metal (que rangia) ele via, através da abertura, um punhado de estrelas quando a insônia o fustigava.

photo: j.finatto. último quarto de Van Gogh

A maior riqueza deste homem difícil, temperamental e sofrido foi o que trazia dentro da alma. A pintura foi sua única maneira de comunhão. Fracassou em todo o resto, porque ninguém quer saber dum sujeito esquisito, ensimesmado, de olhos muito vivos e coração ingênuo. Um que anda por aí com a caixa de pintura às costas a pintar e a conversar anjos que só ele vê.
 
Em suma, meu caro Vincent, trabalhaste como um louco (acreditavas que assim poderias expulsar os fantasmas que te assombravam), te esfolaste, te arrebentaste no fundo da caverna úmida e fria que foi tua existência (iluminada pelos tocos de vela quando pintavas à noite em teu triste quarto).

Coloriste com sangue teus quadros, e tudo isso para quê? Depois da tua morte, gente esperta passou a ganhar rios de dinheiro às tuas custas, sem nenhum merecimento, sem nada contribuir, sem qualquer proveito para a sociedade, nenhum gesto solidário. É gente que cultua - não a arte e a dignidade do ser humano -,  mas o dinheiro, a vaidade e o poder.
 
Pois é, meu amigo, como vês, por aqui nada mudou. E vem aí mais um leilão. Continuamos no mesmo mundo infernal onde padeceste. Isso tudo não merece sequer uma lágrima. Talvez desprezo, náusea e um suspiro pelos que, como tu, não têm como se defender da indiferença e da arrogância que habita os corações.
__________

¹Cartas a Theo. Vincent Van Gogh. Editora L&PM, tradução de Pierre Ruprecht, Porto Alegre, 2007.
²Van Gogh, A vida, de Steven Naifeh e Gregory White Smith, publicado em 2012 no Brasil pela Companhia das Letras, com tradução de Denise Bottmann.
A escada:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2014/09/a-escada.html
 

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

A originalidade na arte

Jorge Adelar Finatto

Quinces, lemons, pears, grapes. Van Gogh, 1887, Van Gogh Museum
 
Estive pensando sobre o que me fascina na obra de certos artistas e escritores. Van Gogh, por exemplo, já que tenho falado nele nos últimos tempos.

Na pintura que ilustra este texto (Marmelos, limões, peras e uvas, de 1887), o artista não se resumiu ao espaço da tela, transbordou a imagem para a moldura como se quisesse prolongar ao infinito a felicidade do ato criador.
 
E cheguei a uma singela conclusão ou, melhor dizendo, a uma intuição. Descobri que o que me encanta nas suas obras não são as pessoas, os objetos ou as paisagens que ele retratou.
 
Não é aquilo que os olhos do pintor viram, mas sim como a alma de Van Gogh os traduziu. O motivo da pintura é secundário.
 
O que realmente me interessa e seduz é como o artista sentiu e pensou esse motivo.
 
Aquele cenário, aquele rosto, aquele objeto animado ou inanimado só têm relevância porque foram apreendidos e transformados em arte pelo traço revelador de Van Gogh. E o que ele nos revela?
 
Revela a interioridade do pintor diante da tela, os seus sentimentos, a sua visão de mundo, o seu lirismo, a sua tristeza. Revela tudo o que a vida fez com ele até aquele momento, e como ele reagiu diante dos sofrimentos (muitos) e venturas (poucas).
 
Os frutos de Van Gogh não se parecem a quaisquer outros já pintados. Assim os seus girassóis, as suas árvores, os seus jardins, as suas estrelas, as suas casas, as suas pontes, as suas nuvens e campos. Tudo que fez é único. Somente ele, e ninguém mais, poderia ter realizado aquela obra. A isso podemos chamar originalidade, o modo pessoal e intransferível.
 
Essa característica, a singularidade, se faz presente nas obras dos grandes artistas e escritores. É a impressão digital do autor que nos marca. Em alguns, essa marca é mais sentida do que em outros.

Um quadro de Van Gogh é reconhecível à primeira vista em qualquer lugar do universo, destaca-se como o sol, tal a sua força expressiva. Da mesma forma que um texto de Guimarães Rosa. São inconfundíveis. E belos. E a pintura e a literatura são melhores porque eles existiram.

Ser original significa encontrar a própria voz. Não para ser diferente dos outros e aparecer mais do que eles, mas para ser igual a si mesmo. E, sendo aquilo que se é, dar o seu melhor, seja qual for a atividade.
 

terça-feira, 16 de setembro de 2014

A escada

Jorge Adelar Finatto
 
photo: j.finatto, 2007.
 
A explosão e a subversão das cores e das formas, na pintura, foi ele quem inventou. Nunca antes o amarelo foi tão belo nem as outras cores tão livres e entusiasmantes. Nunca alguém pintara assim antes dele. Precisou Vincent Willem Van Gogh (1853 - 1890) vir ao mundo para nos dar essa alegria e essa liberdade. Isso só já justificaria plenamente sua existência (viveu apenas 37 anos).

Mas fez mais: foi um poeta e um pensador profundo no meio da tempestade que foi sua vida. Além da pintura, leu muitos autores importantes da época e escreveu com uma impressionante clareza e desenvoltura sobre temas como solidão, arte, morte e Deus, conforme vemos no livro de suas cartas ao irmão Theo. Conhecia a Bíblia de perto.

Terá sido, a par disso, uma pessoa de muito difícil convivência, com temperamento forte e impositivo. Em parte devido aos traumas familiares, às dificuldades de realizar sua obra e à escassez de afeto das pessoas com quem conviveu.

No fundamental, no mais secreto de si, um homem de coração sensível, cheio de ternura, bondade e vontade de ser feliz. Como artista, foi um gênio que se construiu a duras penas em meio à pobreza.
 
Sua vida foi sofrimento e incompreensão. Mas seu espírito só nos legou beleza (mais de 800 pinturas em menos de 10 anos de produção). Van Gogh, do alto de sua angústia e de seu gênio, foi um mistério.
 
Nos últimos dias de vida (em torno de 70), na pequena Auvers-sur-Oise, distante cerca de 40 km de Paris, mais ou menos a uma hora de trem atualmente devido ao traçado da estrada de ferro, pintou com profusão.

Estive mais de uma vez naquela cidade e visitei seu obscuro quarto no Auberge Ravoux, estalagem na qual viveu aqueles dias,  e onde acabou sendo velado sobre uma mesa de bilhar, após morrer em circunstâncias até hoje pouco esclarecidas.

A escada sombria da photo acima (que leva até o melancólico quartinho sem janela, apenas com uma clarabóia) é a visão material e simbólica do quão difíceis e solitários foram seus caminhos.

photo: j.finatto, 2007. o último quarto

A arte foi a verdadeira escada que o retirou do negro calabouço e lhe proporcionou a alguma felicidade que teve em sua rápida passagem pela vida. Todo seu amor se concentrou na sua obra e na pessoa do irmão mais novo Theo, que o sustentou. Devastado com a morte do amado Vincent, seis meses depois Theo veio a morrer. Ambos estão enterrados no pequeno cemitério, na parte alta de Auvers, um ao lado do outro. Ali ao lado Van Gogh pintou, dias antes, o magnífico Trigal com Corvos.

Sobre o período em que Van Gogh viveu à margem do rio Oise, publiquei aqui dois textos com diversas imagens, aos quais remeto o leitor.*

Também recomendo o livro Van Gogh, A vida, de Steven Naifeh e Gregory White Smith, publicado em 2012 no Brasil pela Companhia das Letras, com ótima tradução de Denise Bottmann. Um trabalho de fôlego (1095 páginas), ricamente documentado e que lança novas luzes sobre a vida e a obra do gênio holandês. Este livro afasta, por exemplo, a versão do suicídio do artista com base em percuciente análise.

photo: j.finatto, 2007

Duas coisas gostaria de lembrar para finalizar este breve artigo. No livro em questão, é descrita a forma vexatória e às vezes grotesca com que Van Gogh foi tratado por alguns adolescentes de Auvers, que viam nele a figura de um louco desagradável. Faziam coisas para vê-lo atarantado e humilhado. Sua figura chamava a atenção pela roupa desconjuntada, pelos modos esquisitos e por estar sempre vagando com seu equipamento de pintura na jornada diária de trabalho.

Isso me recordou a péssima impressão que tive de alguns jovens locais quando estive pela primeira vez na cidade, em 2002, em pleno Dia de Natal. Ao perceber um turista idoso caminhando pela rua, diante do prédio da prefeitura, um grupo de adolescentes passou a imitá-lo e a zombar dele, sem nenhuma razão (não usava chapéu de palha, não carregava o cavalete nas costas nem tinha roupas muito velhas como Vincent). Vendo a situação, fui para o lado do cidadão e comecei a conversar com ele, enquanto olhava para os adolescentes, que, diante disso, acabaram desistindo da zombaria. Estranhei muito aquele comportamento gratuito e agressivo.

Sempre entendi que Deus se comunica com a humanidade através da obra de Van Gogh (como, em geral, penso que acontece com os grandes artistas). Vincent chegou a cogitar alguma vez em desistir do trabalho e tentar ser um pouco feliz num outro tipo de vida, tal a miséria material e o isolamento que o acompanharam. Mas seguiu em frente.

Ele acalentava, em meio às mil provações, a idéia de uma outra vida além desta, que possibilitasse um recomeço, uma segunda chance, um mundo onde poderia se libertar da "estupidez vazia e da tortura sem sentido da vida", como se lê nas páginas 997/998 do referido livro. Para encerrar, esta passagem tão bela quanto visceral:

"Sinto cada vez mais que não devemos julgar Deus a partir deste mundo. É apenas um estudo que não saiu. O que você pode fazer com um estudo que deu errado? - se você gosta do artista, não encontra muito o que criticar - refreia a língua. Mas você tem o direito de pedir algo melhor". (pág. 998)

___________

*O último quarto de Van Gogh (The last bredroom of Van Gogh):
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2009/12/o-ultimo-quarto-de-van-gogh.html

O silêncio de Van Gogh (The silence of Van Gogh):
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2013/12/o-silencio-de-van-gogh.html

Van Gogh Museum, Amsterdam:
http://www.vangoghmuseum.nl/en

sexta-feira, 1 de abril de 2011

O último quarto de Van Gogh

Jorge Adelar Finatto
Photos and text





A sombra do quarto imita a escuridão do mundo.

A claraboia deixa passar a escassa luz do entardecer. Vincent Van Gogh tira o chapéu, as botas e se deita, os braços abertos. Toma um copo dágua, olha o teto. A velha cama emite ruídos secos a cada movimento. No chão, encostados na parede, secam os quadros pintados durante o dia.

O pintor vê imagens e cores enquanto dorme. O sonho medra no deserto. Verte luz na alma da treva. É tempo de refazer o mundo. O instante da maravilha.



A obra fez-se homem, o homem divinizou-se.

A viagem de trem de Paris para a pequena cidade de Auvers-sur-Oise dura cerca de 1h45min. Parte-se da Gare du Nord e, uma hora depois, em Valmondois, troca-se de trem até chegar a Auvers, situada no Vale do Rio Oise.

Trago no coração, amarelo, um girassol para Vincent.

Provinciana, a cidade habita a beira do rio que lhe dá nome. Embarcações com variado colorido, diferentes formas e tamanhos cumprem o destino de chegar e partir.

O Rio Oise desliza caudaloso entre as margens cobertas de vegetação.



Auvers-sur-Oise é o cenário no qual Van Gogh trabalhou e viveu nos últimos cerca de setenta dias de vida. Em 21 de maio de 1890, mudou-se para esta cidade que tem tradição de acolher pintores. Aqui ele viveu um dos melhores momentos de sua existência, até o dia em que desferiu um tiro de pistola contra o abdômen, no campo, em 27 de julho de 1890. Morreu dois dias depois, em 29 de julho, a uma e meia da manhã, aos 37 anos, ele que nascera em 30 de março de 1853, na aldeia holandesa de Groot-Zundert.

Volto a Auvers numa espécie de viagem afetiva que só o contato com a arte e seu poder encantatório explicam. Vim rever os lugares e caminhos que o gênio da pintura percorreu e retratou há mais de cem anos. Uma busca, talvez, do homem, da atmosfera que o moveu e inspirou naqueles dias distantes.

O coração dispara logo na chegada do trem, na pequenina estação, quase à margem do rio.

O relógio aqui gira em outro tempo. As casas de pedra são acolhedoras e observam o caminhante através de discretas janelas. Sobe-se da parte baixa da cidade para a alta através de vielas muito estreitas com flores da estação nos pátios. Interessante prestar atenção nos detalhes que não sofreram mudança desde aquela época.



As pequenas ruas, o casario, a natureza parecem saídos de uma pintura do artista.

A procura da expressão mais profunda e verdadeira, em Van Gogh, foi tão intensa quanto a dificuldade de comunicar-se com as pessoas. 

Os fatos que culminaram com o suicídio do pintor estão envoltos em mistério. Um professor, em Paris, comenta, informalmente, a existência da versão - nunca confirmada - de que Van Gogh teria sido morto num duelo com um homem influente da cidade, ao baterem-se por causa de uma mulher. A informação, até onde se sabe, não tem valor histórico.

Ao mudar-se para Auvers Van Gogh pretendeu afastar-se do ruído e da agitação de Paris. Veio, também, para tratar-se com o Dr. Gachet, médico do lugar que é pintor amador e tem amizade com vários pintores impressionistas. Dele Vincent faz alguns retratos. Tornam-se amigos, embora ocorram conflitos.

Em Auvers ele produziu cerca de 75 pinturas naqueles últimos dias de vida. Essa produção é impressionante, não apenas pelo número - em tão pouco tempo - como pela qualidade. Os quadros revelam uma intensa celebração da vida. O artista mostra que está no pleno domínio de sua arte. Parece finalmente ter encontrado o ambiente ideal para viver e criar. Tudo que o cerca serve de inspiração para o ofício de traduzir a vida em forma e cor.

O sentimento explode na tela. O traço forte inaugura a face do mundo.

Tal a excitação do pintor com seu trabalho que dá a impressão de que aqui experimentou os melhores dias. Um intervalo longe dos sofrimentos que o atormentaram durante toda a vida.

Van Gogh hospeda-se na pousada Auberge Ravoux, misto de pensão, restaurante e casa de comércio de vinhos. Com dois pavimentos e amplo sótão, a construção se situa no centro, na frente do prédio da prefeitura. Hoje funciona no local a Maison de Van Gogh ( http://www.maisondevangogh.fr/), onde o visitante pode conhecer o cubículo que o artista habitou, um aposento mal-iluminado e pequeno, nos fundos, sob o telhado.



Uma claraboia côa a pouca luz do dia que por ela entra, clareando o abandono.

Na Casa Van Gogh, encontram-se livros sobre o artista e reproduções de seus trabalhos a preços razoáveis. Também se pode assistir a um interessante documentário em vídeo sobre sua vida, de cerca de vinte minutos. Além disso pode-se fazer uma refeição no restaurante que permanece como era no tempo em que ele ali viveu.



O homem que libertou as cores levou uma vida pobre, em quase tudo dependente do irmão mais moço, Theodorus Van Gogh, que trabalhava no comércio de artes plásticas em Paris. Era grande o amor que os unia. Theo tinha grande admiração pela obra de Vincent. Procurava auxiliá-lo com todo empenho, o que incluía repasses constantes de dinheiro para despesas de alimentação, hospedagem, material de pintura, entre outras. As dificuldades eram imensas para Theo, que tinha mulher e filho para sustentar.

Van Gogh, que tanto amou os seres e a natureza, dos quais nunca se afastou, soube, como poucos, eternizar através de sua arte a beleza do mundo.

Os luminosos girassóis representam essa infinita procura do belo.

Ele tinha por costume dormir cedo em Auvers, por volta das 21h. Acorda em torno de 05h para trabalhar. Muitas vezes sai da pensão de madrugada, sem comer nada. Aproveita ao máximo a luz do dia para pintar.

Ele transita pelas ruas apressado, com a caixa de tintas, pincéis, cavalete e todo o material.

O velho chapéu de palha na cabeça. Aquele homem vestido modestamente não chama a atenção dos moradores, habituados a ver outros pintores que passam pela cidade em busca de paz e siêncio para criar.

Em meio à subida para a parte alta, encontramos a famosa Igreja de Auvers, retratada por Van Gogh. Como em outros lugares que pintou, a administração municipal colocou, no local, uma reprodução da imagem criada pelo artista.



A Igreja de Auvers é apenas uma das obras-primas que produziu nesse período.

Continuando a subida, encontramos, bem no alto, o amplo terreno de semeadura em que ele retratou o célebre Campo de trigo com corvos, um dos últimos trabalhos. É provável que neste mesmo lugar Van Gogh disparou o tiro contra o abdômen. A cerca de cem metros de onde o quadro foi pintado está situado o cemitério de Auvers, no qual Vincent está sepultado no humilde túmulo, no chão, coberto de heras, ao lado do túmulo do amado irmão Theo, que viria a falecer pouco tempo depois.



Van Gogh sofreu graves crises psíquicas ao longo de sua breve passagem pela Terra. Viveu na pobreza. Encontrou apoio, compreensão e carinho no irmão, com quem trocou a extensa correspondência registrada no livro Cartas a Theo.*



Dizem alguns que vendeu apenas um quadro em vida (A videira vermelha).

Em Auvers não se encontra nenhuma obra de Van Gogh. Suas pinturas alcançam muitos milhões de euros e estão espalhadas nos principais museus do mundo e em coleções particulares. A Casa Van Gogh desenvolve um grande trabalho para resgatar, ao menos, um dos quadros, que a tornará "o menor museu do mundo", segundo eles dizem.



O artista que nos revelou a maravilha não encontrou na sociedade de seu tempo o indispensável apoio para continuar vivendo e criando. Encontraria hoje?



A cadeira de madeira e palha, no silêncio do quarto sombrio, é o que restou do hóspede.

O resto é oco.

Austera solidão.

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Fotos: Jorge Finatto.
Texto publicado originalmente no blog em 30/12/09.
*Cartas a Theo. Vincent Van Gogh. Editora L&PM. Porto Alegre, 2007.