domingo, 25 de agosto de 2013

O barco abandonado e a gaivota solitária

Jorge Adelar Finatto
 
photo: j.finatto. local: rio Guaíba.
a gaivota está na parte mais alta do barco. clique na imagem

Era uma vez um velho barco.

Tão, mas tão afundado no tempo, que não pôde mais navegar pelo seu amado rio Guaíba. Nem levar passageiros em direção à Lagoa dos Patos e depois desembocar no Oceano Atlântico para ir ao Rio de Janeiro, viagem que tanta alegria lhe dava quando era mais moço.

O tempo caiu verticalmente sobre o ferro, o curvou e enferrujou.

O vetusto barco foi abandonado sem piedade. Esquecido, mergulhado em lembranças, ele naufragou em si mesmo, em sua espessa solidão.

Passou a morar na beira do Guaíba onde o deixaram à deriva.

O barco perdeu o gosto de viver.

Um dia uma gaivota decidiu habitar a solidão do barco abismado. Ela também era solitária e costumava voar sobre a estrutura que era antes uma ruína que uma embarcação. Sofria ao ver a triste situação do pobre barco. Pensou que ele poderia ser um bom ninho metálico, amplo, arejado, iluminado e com muitas aberturas. Além disso, encontraria nele talvez um bom amigo com muitas histórias pra contar.

Eles conversaram, ela expôs seu plano (estava tão entusiasmada que perdia o fôlego no meio da fala). O barco concordou de imediato (sim, sim, sins, foi o que disse), o coração batendo forte no peito. Ela então se mudou de mala e cuia  para dentro da nova casa, aquele bonito ninho de ferrugem colorida.
 
O barco ficou tão feliz com a idéia, que desistiu de precipitar-se na profundeza das águas (pensamento cada vez mais freqüente nas suas depressões de final de tarde).

Agora ele tinha um motivo pra viver: servir de abrigo para a jovem e bela gaivota. Ela começou a trazer-lhe notícias frescas dos movimentos no rio (navios que chegavam e partiam, roteiros de viagem, direção dos ventos, rumo das nuvens), e também lhe contava novidades da cidade no continente.

A solidão do barco ganhou assim uma querida companhia. Passou a ser conhecido como o velho barco da gaivota solitária. Ele, que renasceu do fundo do esquecimento. Ela, que ganhou um amigo de verdade e um porto seguro na vida.

Dizem que desde então nunca se viram duas criaturas mais felizes nas águas do Guaíba.