sábado, 28 de março de 2015

O mundo explodiu e ninguém disse adeus

Jorge Adelar Finatto

local da queda do avião, nos Alpes franceses. photo de Thomas Koehler (EFE)

Em memória dos passageiros do voo GWI 9525
que se espatifou contra os Alpes franceses
na terça-feira, 24/3/2015
                   
Não havia sobreviventes quando Deus chegou na rude e negra montanha alpina e viu de perto o que acontecera. Nenhum pra contar o que se passou quando o airbus explodiu em milhões de fragmentos repartidos no ar irrespirável.
 
Um anjo, numa solitária nuvem, olhando lá de cima, dissera antes ao Senhor: pulverizaram-se os sonhos. Não temos corpos a quem velar. Consumou-se a terrível travessia que ninguém ousara imaginar.

E, no entanto, estava tão evidente desde sempre o previsível gesto de loucura, fundado no mais primitivo egoísmo, na dureza de espírito que gera a nauseante repetição da covardia, tecedora de sórdidas mortandades. Previsível, sim, porque o mundo tornou-se um hospício geral.

Se acontecesse na África, na América do Sul ou em qualquer outro "lugar bárbaro", "estaria explicado". Mas o fato se deu no suposto centro da inteligência, da ciência, da tecnologia, da cultura e da boa educação.

Não há justiça nem existe bondade além das aparências. Ninguém está seguro em parte alguma. E não se alimentem falsas ilusões: em alguns dias tudo estará esquecido, porque assim decidem os insensíveis deuses do mercado e do poder.

Quem fez caso das crianças e de todos os passageiros que embarcaram na triste nave sem destino?

Quem se importa com a dor dos outros no mundo em que vivemos?
 
Entre as partículas havia minúsculos estilhaços vermelhos e cintilantes a correr pelo vácuo noturno (em pleno dia). Em todas as direções e sentidos eles se deslocaram na escuridão do cosmos.

Em cada um deles havia uma lembrança, uma emoção, um resto de amanhecer. Em cada mínimo fragmento, um pedaço de coração pulsando em absoluta perda, silêncio, espanto e dor.
 
Um raio brilhante de luz incandescente encontrará um lugar novo do universo para germinar. Quem sabe poderá haver vida outra vez. Quem sabe dos estilhaços vermelhos nascerá, um dia, uma vida, e depois outra e mais outra.

A luz germinará sem a porção atávica da crueldade, distante do horror, da loucura dissimulada e dos sombrios desvãos que habitam a alma humana.