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domingo, 7 de fevereiro de 2016

Souvenir de inverno

Jorge Adelar Finatto

photo: jfinatto., fev. 2016, Suíça, Alpes

 
A vida são umas quinquilharias de viagem que a gente vai guardando nas gavetas da memória. Os dias são folhas caídas do calendário que o vento leva pelo ar. Depois já não estamos à janela.
 
Mas há essa sempre presente, irrecusável esperança de um amanhecer em meio ao treva-mundo. Uma janela de mansarda aberta ao sol, numa manhã de inverno. Como agora em Lucerna.
 
Uma mulher apareceu de repente, quando eu estava parado, na Ponte da Capela. Disse-me em francês germânico, olhando-me nos olhos: eu faço desenhos, senhor, e não comi nada o dia todo. O que eu podia fazer com essa aparição trágica? Perguntou se eu compraria um desenho seu.

Sim, sim, claro. Abriu a pasta e de lá retirou alguns. Escolhi um do Lago Lucerna, bonito. Solitário e bonito. Fazer desenhos dá mesmo fome. É como fazer versos. Viver de arte é uma danação, madame. Paguei os 15 francos suíços que pediu, porque a vida por cá é muito cara.

Ela me olhou admirada, agradeceu e foi-se na neblina. Eu permaneci ali, olhando a água azul.

Essas entidades aparecem do nada e puxam assuntos obscuros. Se eu não vivesse num lugar chamado Passo dos Ausentes, habitado por fantasmas, talvez me angustiaria.

O fato é que está todo mundo precisando de um aconchego. Os que mais precisam não se dão conta e fazem sofrer os outros.

Só os abraços ficarão.
 

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Quinquilharias San Telmo

Jorge Adelar Finatto

Mercado de San Telmo, Buenos Aires, photos: jfinatto

Se algum dia uma grande catástrofe se abater sobre o planeta, será possível aos sobreviventes reconstruí-lo a partir das quinquilharias da Feira de Antigüidades de San Telmo, em Buenos Aires. Um passeio pelo bairro de San Telmo, aos domingos, nos permite encontrar, na Plaza Dorrego e pelas ruas do entorno, objetos de todos os tipos e épocas. A feira existe desde 1970 neste lugar boêmio e convivente.

Mas nem só de velhos objetos vive o bairro. Além dos expositores, que povoam a praça, as calçadas e o Mercado de San Telmo, existem artistas que fazem apresentações aqui e ali. Shows com dançarinos de tango, violonistas, cantores, marionetes, tudo isso e mais o que não tem fim se encontra em San Telmo. E, como não podia deixar de ser, há livros usados também, muitos livros.

No domingo em que lá estive, desabou uma chuva tremenda de tarde, fui para dentro do mercado. Só que, meia-hora antes, o pessoal da rua já cobria as mercadorias com plásticos. Eles sabem interpretar as nuvens portenhas.

photo: jfinatto

A Feira de San Telmo lembra, de algum modo, o meu escritório em Paso de Los Ausentes. Um pequeno território extraviado de San Telmo. Velha máquina fotográfica que não funciona há muitos anos, caleidoscópios, lunetas, quadros, telescópio, remo, espada, boleadeira, balaios, vidros, pedras, retratos, bijus, souvenirs, etc., etc. Um estranho lugar onde eu sou o quinquilheiro.

photo: jfinatto

A vida é feita de quinquilharias materiais e afetivas. Cada objeto guardado possui uma alma. Cada sentimento é um diamante. Todos reunidos formam esse museu particular que vamos construindo. E todos nós, dia mais, dia menos, nos transformamos também numa quinquilharia.

Sem nostalgia de vidas passadas (vivemos muitas vidas antes dessa de agora), vamos levando o barco (afinal, San Telmo é o padroeiro dos navegadores).

Quinquilharias vivas é o que somos. Mas, ao jeito de cada um, participamos da vida da tribo, assobiando e decifrando o tango que nos tocou dançar. Se erramos o passo ou o verso, acertamos os próximos.

photo: jfinatto