quinta-feira, 4 de agosto de 2011

As flores brancas da magnólia

Jorge Adelar Finatto

photo: j. finatto

 
Faz algumas semanas que o sol não aparece em Passo dos Ausentes. Eu, que vivo a urgência de um tempo em que cada dia é um presente imerecido, nada reclamo. Afinal, existe beleza em dias assim cobertos de nuvens, garoa e alguma neve.

Não gosto do vento de agosto andando por aí feito louco, espalhando frio, fazendo estrago. É um vento polar espesso que faz questão de assustar pessoas e bichos na sua passagem. No caminho, leva tudo pela frente e enregela até a alma do vivente.

Esse vento não dá trégua nos Campos de Cima do Esquecimento. Revolve páginas dos livros nas estantes, levanta o pó dos calendários, bate em portas que há muito estão fechadas na ciudad vieja.

As folhas de uma frondosa árvore - o plátano da minha infância - se agitam no oblívio.

O vento glacial, em agosto, desperta coisas que estavam caladas. 

Um menino sai do retrato da parede e senta ao meu lado no escritório. Me olha em silêncio, um prolongado silêncio, enquanto eu escrevo. Depois encosta a cabeça no meu braço e fecha os olhos. Veste uma calça curta, um casaquinho e uma gravata borboleta.

Abraço o menino longamente, digo-lhe pra não chorar por mim, por nós. Ele então seca as lágrimas na manga, volta para o interior do retrato e sorri de novo. 

Lá fora, perto da janela, as flores brancas da magnólia.