Uma perda irreparável o acabar de cada dia.
José Saramago*
Assisti ao documentário José e Pilar, de Miguel Gonçalves Mendes, que está sendo lançado no Brasil e em Portugal. O filme mostra como era o cotidiano dos últimos anos de vida do escritor e poeta português José Saramago ao lado de sua mulher, a jornalista espanhola Pilar Del Rio. Saramago morreu em 18 de junho passado, aos 87 anos, na ilha de Lanzarote, situada no arquipélago espanhol das Canárias, onde vivia. A filmagem estendeu-se por três anos.
A sinceridade e a abertura do escritor ao deixar-se mostrar na vida doméstica e no trabalho são tocantes. Não há pose, há o José Saramago inteiro, homem e cidadão. Coisa rara nesses dias. Frases espontâneas, simples e profundas, comentários sobre a vida, a morte, os direitos humanos, a difícil situação do planeta, tudo ele compartilha com a naturalidade de quem conversa em volta da mesa. Aquele que nasceu de uma família muito pobre, na aldeia de Azinhaga, e que consolidou uma carreira literária depois dos 50 anos, tem uma solidez de princípios, integridade e humanismo comparável à das rochas vulcânicas da ilha onde viveu.
O documentário capta o escritor em sua casa e viajando pelo mundo, dentro de aviões, aeroportos, hotéis, em sessões de autógrafo, conferências, entrevistas, homenagens e no dia-a-dia com Pilar Del Rio. Pilar não é apenas coadjuvante do primeiro Prêmio Nobel de Literatura de Língua Portuguesa (1998), é a companheira que trabalha incessantemente, com seu talento e suas ideias, interlocutora permanente. Impressiona o quanto o casal se amava e se completava, cada um com sua individualidade, ambos personalidades fortes.
De tudo que li e vi de Saramago, com o acréscimo deste excelente documentário, fica-me a impressão de que ele foi o escritor mais lúcido, solidário e comprometido com o lado humano que tivemos nas últimas décadas em todo o mundo.
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* Frase dita pelo escritor no documentário.
Foto: José e Pilar. Cena do filme. Divulgação.