sexta-feira, 7 de outubro de 2016

O padeiro feliz

Jorge Finatto
 
photo: jfinatto, Rio Guaíba, Porto Alegre


NUM TEMPO difícil, por volta dos vinte e seis anos, com excesso de trabalho, escassez de salário e pouco prazer na vida, encontrei uma maneira curiosa de me acalmar e tocar o barco em frente: comecei a fazer pão em casa nas horas livres. Ao invés de me amofinar, vestia o avental e me enfiava na cozinha.

Produzia pães doces e salgados, com variadas especiarias e frutas, numa média de dez por semana. Inventava sabores e formas (uns lembravam um submarino, outros, uma estrela, um peixe, uma borboleta, um avião, um tijolo, etc).
 
Uma padaria artesanal e austera, feita no diminuto forno do fogão a gás. Buscava naqueles pães um pouco de inspiração, de fertilidade em meio à grande secura das coisas. Sentia-me feliz com o ofício de fazedor de pães, deliciava-me com o cheiro que impregnava o apartamento. Embrulhava-os com todo cuidado. Dava para pessoas da família e amigos.

A faina padeira durou cerca de um ano. Sublimei sofrimentos, recalques, frustrações e impotências, que assavam no forno junto com a massa. Cada pão era um ato de resistência. Quanto mais bonito e saboroso, melhor eu me sentia. De onde veio tudo isso? Sei lá. Mas funcionou.
 
Não fui um boulanger de mão cheia, longe disso. Mas também não fui um completo impostor na arte de fazer pães. Vi que servia para alguma coisa além de manusear códigos e livros de direito. Constatei que não morreria de fome se não passasse no concurso para juiz. O pão caseiro, ao menos, estava garantido...