quarta-feira, 14 de julho de 2010

Adeus a Harvey Pekar, anti-herói americano

Jorge Adelar Finatto

Morreu nesta segunda-feira, 12 de julho, o escritor e quadrinista americano Harvey Pekar, aos 70 anos. Ele foi encontrado morto em sua casa, em Cleveland, Estados Unidos, onde vivia. Sofria de câncer, pressão alta e depressão, mas a causa precisa da morte ainda depende de exame para ser conhecida.

O quadrinista tornou-se famoso com a publicação da série de revistas American Splendor, autobiográfica, na qual aborda o cotidiano de um homem comum, seus sentimentos, família, amigos, pensamentos, perplexidades. A série teve vários ilustradores, entre eles Robert Crumb.

A capacidade de extrair vida, sentido e emoção da realidade é uma das marcas do trabalho deste lúcido criador.

A seguir, reproduzo o texto que publiquei em 11 de junho último sobre Harvey Pekar.

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Esplendor Americano

Harvey Pekar ama o jazz e histórias em quadrinhos. Mora em Cleveland, Ohio, nos Estados Unidos. Trabalha como arquivista no hospital da cidade. Abandonou os estudos por falta de paciência e vocação. Leva uma vida monótona e muito solitária, após dois casamentos desfeitos. O apartamento onde vive só não é mais caótico por falta de espaço. Por todo lado, discos, livros e revistas que coleciona.

Tem um amigo que desenha quadrinhos muito bem, Robert Crumb, o mesmo que, anos mais tarde, se tornará uma celebridade internacional no universo dos gibis. Um belo dia, Harvey resolve começar a escrever para quadrinhos. Com uma particularidade: contará as histórias de sua própria existência, falará da vida real. Pessoas de suas relações, família, amigos e colegas de hospital serão personagens, assim como ele. Robert Crumb, já então famoso, gosta dos textos e faz os primeiros desenhos. Daí nasce a série de revistas American Splendor (Esplendor americano), em 1976, que vira sucesso e se transforma numa publicação cult. O êxito o leva a participar várias vezes do talk show de David Letterman , com o qual  trava diálogos ríspidos em pleno ar.

Pekar, no entanto, diz que, apesar do sucesso, não chega a ganhar o suficiente para largar o emprego de arquivista. Na verdade, não abandonará essa profissão, não apenas pela questão financeira, mas porque aquele ambiente lhe dá sustentação emocional, é uma espécie de âncora. No hospital, estão seus principais amigos.

O filme American Splendor (2003), que no Brasil foi lançado com o título de Anti-herói americano, conta essa história (pode ser encontrado em dvd). Além dos atores principais (Paul Giamatti, no papel de Pekar, e Hope Davis, interpretando sua mulher, Joyce Brabner, com quem, enfim, faz um bom casamento), o próprio Harvey Pekar aparece em várias cenas intercaladas, contando detalhes de sua trajetória, além de figurar como narrador. O filme, escrito e dirigido por Shari Springer Berman e Robert Pulcini, recebeu o Prêmio do Grande Júri do Festival de Filmes Sundance e o Prêmio dos Críticos do Festival de Cannes, ambos em 2003.

Esplendor americano é a visão irônica, às vezes amarga, às vezes perplexa, sempre humana, do homem comum que luta para sobreviver enquanto procura sentidos para a vida, no centro da realidade. Nada tem a ver com o herói clássico, com a imagem idealizada, com o elogio da civilização tecnológica e vencedora. Nos textos de Pekar, os perdedores (losers) - assim considerados dentro de critérios estreitamente vinculados a dinheiro e posição social -, têm voz e vez.

Pekar é um sujeito introspectivo, tímido, deprimido, obsessivo, desses que ruminam os detalhes do dia-a-dia, buscando compreender um pouco as coisas dentro e fora de si. No seu entender, "a vida comum é bastante complexa". Não faltam humor e esperança, ainda que a realidade seja dura.

Pratica uma espécie de investigação filosófica à flor da pele , dentro do único cenário possível: a vida real. Lá pelas tantas, se vê diante de um câncer, que o leva inicialmente ao desespero, depois ao tratamento e, por fim, à cura, com a inestimável ajuda da mulher. Eles formam uma família com a filha adotiva.

Trata-se de um filme brilhante, muito bem construído. Revela os caminhos de pessoas como nós, que querem encontrar razões para viver, formar uma família, ter amigos e um trabalho, que acreditam que a vida vale a pena, apesar de todas as dificuldades.

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Clareza deve ser compromisso de todos no processo*

Do juiz de direito Jorge Adelar Finatto, do Rio Grande do Sul, sobre o projeto** que prevê a exigência de linguagem mais acessível nas sentenças judiciais:

A clareza da decisão judicial é pressuposto de eficácia da prestação jurisdicional.

A sentença judicial pode e deve ser acessível ao entendimento do cidadão comum. As partes, em sentido estrito, e a sociedade, em sentido mais amplo, têm o direito de compreender o que está sendo dito e decidido na sentença. O dispositivo sentencial, a conclusão final da decisão, o resumo do pensamento do julgador, precisa ser claro.

A linguagem judicial barroca, mergulhada no juridiquês, ornamentada com desnecessárias expressões em latim – às vezes mau latim -, fechada em si mesma, não combina com esses tempos de pleno exercício da cidadania em que vivemos após a Constituição Federal de 1988.

Existem expressões técnicas que são inerentes à ciência do Direito e que são utilizadas pelos profissionais do ramo no seu trabalho, como o são na medicina, na engenharia e em outras áreas especializadas. A utilização desses termos, contudo, não justifica a decisão incompreensível.

A linguagem forense faz parte de uma cultura que não é construída unicamente pelos juízes, mas por todos os profissionais que atuam no processo. A tradição do juridiquês ainda é muito forte entre nós e está relacionada com uma sociedade de alta concentração de poder e pouca participação social.

De modo que a busca desta tão necessária claridade deve ser um compromisso comum dos profissionais do Direito.

Nesse sentido, embora ainda não tenha lido a redação final, penso que o projeto, na forma em que aprovado pela CCJ, conforme noticiado neste blog, pode contribuir, embora, a rigor, acho que não precisaríamos introduzir no CPC um dispositivo legal para dizer isso que é ou deveria ser o óbvio. Mas nem sempre o óbvio é encarado como tal.

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* Esta matéria foi veiculada no Blog do Fred (Frederico Vasconcelos, Repórter Especial da Folha de São Paulo), no dia 02 de julho último. Trata-se de espaço muito importante, relacionado ao mundo do sistema judicial brasileiro e seus operadores. Recomendo-o vivamente a todos.
Endereço: http://blogdofred.folha.blog.uol.com.br

** Na Câmara, um projeto para reduzir uso de juridiquês.
     Objetivo é exigir linguagem acessível em sentença

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania aprovou nesta quarta-feira (30/6) proposta que exige o uso de linguagem acessível nas sentenças judiciais. O objetivo é permitir que o cidadão compreenda o teor das decisões.

Segundo informa a Agência Câmara de Notícias, o projeto (*) de autoria da deputada Maria do Rosário (PT-RS) foi aprovado em caráter conclusivo (**). O projeto precisará ser votado pelo Plenário e seguirá para o Senado, a menos que haja recurso para que seja votado pelo Plenário da Câmara.

A CCJ aprovou o projeto na forma de substitutivo do relator, deputado José Genoíno (PT-SP). O substitutivo aprovado torna a linguagem acessível como um dos requisitos essenciais da sentença, mas dispensa a exigência de uma outra versão dessa sentença em linguagem coloquial e de seu envio à parte interessada.

Segundo Genoíno, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) vem promovendo ações para simplificar a linguagem jurídica, e uma tradução obrigatória poderia minar os esforços para que esse objetivo seja alcançado. Ainda mais, segundo Genoíno, porque a determinação só valeria para processos em que pelo menos uma das partes seja pessoa física.

“A necessidade de se reproduzir o dispositivo da sentença em linguagem coloquial aumentaria o trabalhos dos juízes, tornando ainda mais burocrática a distribuição da Justiça, o que seria agravado pela necessidade do envio da referida reprodução para o endereço pessoal da parte interessada”, defendeu.

(*) PL-7448/2006

http://www.camara.gov.br/sileg/integras/416293.pdf

(**) Rito de tramitação pelo qual o projeto não precisa ser votado pelo Plenário, apenas pelas comissões designadas para analisá-lo. O projeto perderá esse caráter em duas situações: - se houver parecer divergente entre as comissões (rejeição por uma, aprovação por outra); - se, depois de aprovado pelas comissões, houver recurso contra esse rito assinado por 51 deputados (10% do total). Nos dois casos, precisará ser votado pelo Plenário.