domingo, 6 de julho de 2014

Abismo de rosas

Jorge Adelar Finatto

photo: jfinatto
 
Uma réstia de sol respira na escuridão.

Nem tudo está perdido, longe disso. Há muito amanhecer vindo pela frente, muita coisa boa pra ver, fazer e viver. Encontros, conversas, viagens, livros. Silêncios.

Haverá sempre um ramo de oliveira inserido no bico do pássaro que retorna a nossa casa pra mostrar que a vida continua.
 
Tem dias que desanimo. Mas então penso essas coisas, respiro fundo. Foi o que fiz nessa tarde. E resolvi escutar o disco Abismo de Rosas, do violonista e compositor  Dilermando Reis (1916-1977). Violão bem ponteado, bem temperado, lírico, sentimental, bem do jeito brasileiro.

A tristeza não pode durar mais que o tempo do vôo da borboleta de um ramo a outro.

Esse Dilermando Reis era mesmo um poeta e um sábio das cordas. O pinho, nos seus dedos, ganha ricas tonalidades. Erudito e popular. Ele passeia pelo violão como um peixe desliza dentro dágua.

Como um pássaro acaricia o ar com as asas.
 
Artistas com este talento nos fazem lembrar que o Brasil pode ser muito melhor do que isso que se vê. Com mais justiça social e acesso às coisas materiais indispensáveis, às coisas da arte e do espírito.

Se o raro leitor precisa de consolo, se está triste por alguma razão ou mesmo sem razão, se está desanimado, se quer fugir de casa, se planeja mudar-se para o telhado depois da chuva, se está de saco cheio da realidade brasileira e suas tristes vicissitudes, se sonha em emigrar, recomendo que, antes do ato extremo, escute Abismo de Rosas, valsa composta por Américo Jacomino, o Canhoto,  em 1905, na virtuosa interpretação de Dilermando.
 
E escute, também, a não menos encantadora Sons de Carrilhões, de João Pernambuco. Escute, enfim, todo o disco Abismo de Rosas, gravado por Dilermando em 1958 (encontra-se o cd nas boas casas do ramo).

Um bálsamo no meio de tanta dor.

Um sopro de alegria.